"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

POETA-POEMA, 56: DRUMMOND

Serenata, de Cândido Portinari.
| Expor um poeta, defini-lo com um só poema.
Despertar com ambos alguma consciência. |

TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter um ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987). Poeta, contista e cronista brasileiro, nascido em Itabira, MG. Foi um dos maiores e sempre o será, ao lado de quatro ou cinco poetas do idioma. Sua capacidade de variação de motivos e de fusão do literário com o coloquial impressiona até hoje. Poeta único, profuso e imprescindível. O poema acima, de Alguma poesia (1930), foi extraído de Nova reunião (Best Bolso, 2011).

Um comentário:

Lidi disse...

Drummond é grande, imenso! Leio e releio com enorme prazer. Abraços.