"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A COLEÇÃO MATÉI VISNIEC

São Paulo: É Realizações, 2012.
Se aconteceu algo de novo no meio editorial brasileiro, de 2012 para cá, e que seja, de fato, merecedor de elogios, eu diria que é a publicação da Coleção Dramaturgia Matéi Visniec, da editora paulista É Realizações, que tem proporcionado ao público brasileiro acesso às peças de teatro deste criativo dramaturgo romeno radicado na França. Nascido em 1956, Mátei Visniec goza das influências do surrealismo de Ionesco e do teatro do absurdo, especialmente Samuel Beckett e Alfred Jarry. Neste sentido, ele é uma grande revelação, por conseguir manter certa individualidade de assunto e forma, em meio ao legado de influências que salta aos olhos do leitor atento, mas não reduz o autor a um simples imitador ou continuador daqueles três importantes dramaturgos modernos. Pelo contrário. Lançando mão de aspectos destas duas correntes, e atualizando-se quanto aos novos temas em debate no mundo, ele reafirma que a realidade à nossa volta é tão absurda quanto àquela de Godot, dos Rinocerontes ou de Ubu Rei. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas o absurdo permanece, pois o homem, em essência e corpo, continua ambíguo, vário, estranho, estrangeiro, surpreendente e contraditório. Pelos títulos de suas peças, já intuímos o universo de sua dramaturgia: A história dos ursos pandas, contada por um saxofonista que tem uma namorada em Frankfurt. Ou: História do comunismo contada aos doentes mentais. Ou ainda: A palavra progresso na boca de minha mãe soava terrivelmente falsa. Em Três noites com Madox, três pessoas bem diferentes descobrem numa manhã de chuva que passaram a noite com a mesma pessoa, o tal Madox, mas em lugares divergentes e em circunstâncias bem diversas dos outros dois. O mistério que esta peça enceta e desenvolve é digno de uma narrativa de mistério, com frases curtas, sintaxe de efeito e sugestões ambíguas. Já em Os desvãos Cioran ou Mansarda em Paris com vista para a morte, a jornada do envelhecido filósofo Cioran por Paris nos diz que o mundo está mudando, e talvez para pior. Constituída de historietas tendo Cioran como fio condutor, esta peça nos apresenta o absurdo da diversidade humana: O Cego do Telescópio, A Mulher Que faz Migalhas, O Jovem Que Quer Se Suicidar, A Jovem Com o Coelhinho. E aí sobram ironia, sarcasmo, surrealismo, nonsense e, claro, absurdo. Numa das histórias centrais da proposta de Visniec, Cioran entra numa sala de aula da Sorbonne, onde procura a cantina dos estudantes para fazer uma simples refeição, e ali está O Professor de Filosofia Cego, ministrando exatamente um curso sobre Cioran. Em dado momento do diálogo que os dois travam, o Professor de Filosofia Cego diz: "Se você quer acompanhar o curso sobre Cioran, precisa se inscrever primeiro na secretaria! Não aceito qualquer pessoa no meu curso..." A fala que resume o universo de Matéi Visniec, bem como o pessimismo de Cioran, e que não por acaso constitui uma pergunta, é esta: "Por quê, por que quando a gente cava um buraco para enterrar um coelhinho morto, a gente topa com outro coelho enterrado lá pouco tempo atrás?" Matéi Visniec. Um dramaturgo de primeira. E um esteta das verdades absurdas.

Um comentário:

Emmanuel Mirdad disse...

A sua gratíssima indicação me rendeu esses autógrafos aqui: http://elmirdad.blogspot.com.br/2014/11/dedicatorias-livros-de-matei-visniec.html