"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 14 de outubro de 2014

POETA-POEMA, 46: JOSÉ PAULO PAES

A sesta (1869), de Jacques Adrien Lavieille.
| Expor um poeta, defini-lo com um só poema.
Despertar com ambos alguma consciência. |

CÚMPLICES

Quebrei minhas algemas contra o espelho
E a teus olhos tracei-me nova imagem,
Sem cólera, sem armas, sem viagem.

Agora sou apenas teu reflexo,
Um fantasma sem brilho e sem escadas.
O que fui pouco importa. É quase nada.

Desprezei os ardis, a ironia,
As mentiras de bronze, as vozes fátuas,
O fascínio enganoso das estátuas.

Ergo-me pobre e nu contra o horizonte.
Nenhum crepúsculo turva minha fronte.
Sob um cipreste enterrei os meus defuntos.

Atrás de mim ficou o espelho fútil.
Além de mim descubro céus inúteis.
Mas que importa o caminho? Estamos juntos. 

JOSÉ PAULO PAES (1926-1998). Poeta, tradutor, ensaísta e editor brasileiro, nascido em Taquaritinga, SP. Como tradutor de poesia, poucos se lhe ombreavam; como poeta, era puro estilo, variação, experimento, humor; como ensaísta, tinha a seu favor a inteligência, a contenção e a generosidade. O belo poema acima está em Um por todos (Brasiliense, 1986), que reúne toda a sua poesia até então.

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