"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

FIM DE CASO

O livro Fim de caso, de Graham Greene, distende ao máximo a ideia de que o romance é um gênero informe. Neste agrupador de gêneros e formas, tudo é possível, e suas páginas comportam todas as linguagens, além de permitir o máximo de variação estrutural, externa e internamente, e aceitar todo tipo de experiência estética.
Fiel a essa definição, o autor desenvolve uma trama que principia com uma ressalva do narrador à forma como as histórias se iniciam: as escolhas feitas, o mundo em que os personagens vão transitar, as circunstâncias históricas, a atmosfera. Continua como se fosse uma narrativa noire, numa imersão de mistério e enigma; ganha um inesperado sopro com um episódio de guerra, no qual um juramento religioso é acionado e que, doravante, vai mudar a existência dos personagens, conduzindo uma mulher à morte prematura, pelo descaso consigo mesma e pela ausência forçada de seu amante, e dois homens a uma união de amizade cujo núcleo é aquela mulher, amada por ambos. Depois a trama se torna policialesca, com o aparecimento de um detetive particular nada ortodoxo, e por fim adquire significado religioso, com o requinte de deixar em aberto a possibilidade de ter ocorrido um milagre.
E costurando tudo isso o estilo altamente sedutor de Graham Greene, capaz de nos submergir em análises profundas sobre a vida e o mundo, sem que isso implique uma linguagem enfadonha ou panfletária. Ou seja: um romance completo. Não é à toa que Faulkner, que não era dado a elogiar autores contemporâneos, declarou seu entusiasmo e apreço por este livro. Um clássico moderno.
A primeira tradução deste romance no Brasil recebeu um curioso título: Crepúsculo de um romance. Sem dúvida muito mais poético, mas infiel ao original em inglês, mais seco.
As duas versões cinematográficas, embora bonitas e profissionais, não conseguem empolgar o espectador: a primeira (Pelo amor de meu amor, 1955), com Deborah Kerr, enfatiza o caráter religioso do relato, em detrimento da relação entre os amantes, quase sob as barbas do marido; a segunda (Fim de caso, 1999), dirigida pelo sempre decepcionante Neil Jordan, e talvez porque seja muito pretensiosa, dilui o peso da narrativa numa sucessão de quadros exóticos cuja maior atração é a fotografia, escura e difusa.
Já o livro, bem, ele como que nos arrebata e derruba, deixando-nos desde o início com a sensação de que estamos diante de uma joia rara. E estamos.*

*Agradeço a Lidiane Nunes, que me sugeriu fazer uma breve resenha deste romance, do qual somos entusiasmados admiradores.

5 comentários:

Silvestre Gavinha disse...

Ah!! Eu tinha gostado tanto da segunda versão cinematográfica!!!
Mas concordo com você ela promete mais que realmente dá.
O livro é sempre o livro né???
Raras as exceções!
Mayrant, invariavelmente você deixa a gente com vontade de correr a livraria mais próxima ontem.
Brigada
Marie

Lidi disse...

Mayrant, fico feliz que tenha acatado a minha sugestão. Resenha primorosa. Fim de Caso é mesmo um livro maravilhoso! Um grande abraço.

dade amorim disse...

Fui uma leitora furiosa dos livros de Green, há alguns anos, e ainda tenho muitos deles em minha estante.
Esse romance, em particular, é um dos melhores que ele escreveu. Os filmes não deram conta do relato delicioso, que prende a gente até o fim.

Abraço, Mayrant.

Cristiano Contreiras disse...

Mayrant, um primor o livro, de fato...todo o embasamento aprofundado de amor, de teor reflexivo de dor e prazer, de sexo e sentimento, de sensação e observação...tudo é perfeito.

Parabéns pelo texto!

Mas, discordo de ti, considero o Neil Jordan um diretor de qualidade - Entrevista com o vampiro recebeu seu sopro de vida sendo adaptado por ele com muito requinte...Traidos pelo desejo é um belo filme e o A Premonição teve momentos eficientes...além de que a adaptação de Fim de caso conseguiu funcionar bastante com a química interpretativa de Ralph Fiennes e Jullianne Moore.

abraço

Juliana disse...

"Já o livro, bem, ele como que nos arrebata e derruba, deixando-nos desde o início com a sensação de que estamos diante de uma joia rara. E estamos.*"

que perfeito! quando me perguntarem do livro, direi o que vc disse. terminei de ler o livro e tô arrebatada.