"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 21 de outubro de 2014

POETA-POEMA, 53: Eugênio de CASTRO

Gustav Klimt pintava o tempo através das pessoas.
| Expor um poeta, defini-lo com um só poema.
Despertar com ambos alguma consciência. |

SOMBRA E CLARÃO

De mãos dadas, lá vão avó e neta,
A Saudade e a Esperança de mãos dadas!
A neta é loira, a avó tem cãs prateadas,
Uma leva a boneca, outra a muleta.

Uma arrasta-se e a outra salta inquieta;
Aos suspiros vai uma, outra às risadas;
A avó desfia contas desgastadas,
E a neta colhe iriada borboleta.

Uma vai confiada, outra bisonha;
Uma lembra-se, triste, e a outra sonha;
Leves asas tem uma, outra coxeia...

E eu, que as vejo passar, com mágoa infinda
Penso que a avó talvez já fosse linda,
E que a neta, que é  linda, há de ser feia!

EUGÊNIO DE CASTRO (1869-1944). Poeta português, um dos nomes estelares do Simbolismo, muito embora jamais tenha conseguido chegar a ser um poeta popular. Foi também editor, responsável pela revista Arte (1895-97). O soneto acima, que integra o volume Descendo a encosta (1924), é possivelmente um dos mais belos e perfeitos da língua portuguesa.

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