"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

POETA-POEMA, 47: VICENTE GERBASI

Catarse (1934), mural de José Clemente Orozco.
| Expor um poeta, defini-lo com um só poema.
Despertar com ambos alguma consciência. |

PENUMBRAS SECRETAS

Encontrei a desdita ao amanhecer,
em um cavalo que sangrava
com a cabeça um pouco caída na erva
e o pranto de minha irmã de dois anos
que havia sido operada no ventre.

Senti um pouco de sangue nas mãos,
uma dor triste como um cabrito degolado,
uma pele posta a secar sobre as pedras.
Andei pelo ar frio das últimas estrelas
onde moravam galos dispersos,
e senti minha própria presença
na árvore iluminada no fundo da casa.

O dia acolheu o cavalo ferido
com o pranto de minha irmã nos olhos.
O dia me recluiu nos rincões escuros.
Segui sendo um triste que espanta as moscas da tarde
ou desenha uma igreja rodeada de aves marinhas.

VICENTE GERBASI (1913-1992). Poeta venezuelano. Estreou com Vigília do náufrago (1937) e, aos poucos, foi se consolidando como uma das mais importantes vozes líricas da América Hispânica. O Brasil tomou contato mais estreito com sua poesia através do volume Os espaços cálidos (Nossa América, 1988), do qual se extraiu a tradução acima, de autoria de Cleto de Assis.

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