"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sábado, 27 de setembro de 2014

POETA-POEMA, 29: PIERRE LOUYS

Marie Laurencin (1883-1956).
| Expor um poeta, defini-lo com um só poema.
Despertar com ambos alguma consciência. |

A AMIGA COMPLACENTE

A tempestade durou a noite inteira. Selênis, de belos cabelos, viera fiar comigo. E ficou, por medo da lama. Apertadas, enchemos meu pequeno leito.

Quando duas moças dormem juntas, o sono detém-se à porta.
"Bilitis, conta, conta para mim, quem é teu amado?"
E fazia deslizar a perna pela minha, acariciando-me suavemente.

E disse junto à minha boca:
"Eu sei, Bilitis, quem é que amas. Feche os olhos. Eu sou Lykas".
Mas respondi, tocando-a:
"Então não estou vendo que és uma moça? Isso não passa de uma brincadeira de mau gosto".

Ela, porém, continuou:
"Se fechares os olhos, saberás que sou de fato Lykas. Sente seus braços, suas mãos..."
E, ternamente, no silêncio, encantou meu devaneio com sua singular ilusão.

PIERRE LOUYS (1870-1925). Poeta e prosador franco-belga. Sua obra é essencialmente erótica. Brilhante em seu tempo, foi considerado um marco da sexualidade pelos surrealistas. Gozou da amizade de muitos escritores, entre os quais Valéry e Mallarmé. O texto acima, misto de poesia e prosa, integra As canções de Bilitis (Max Limonad, 1984). A tradução é de Carlos Clémen.