"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 27 de julho de 2010

NICOLAU & RICARDO

Começou a SEGUNDA TEMPORADA de As aventuras de Nicolau & Ricardo: detetives.

O primeiro miniconto, cujo título é Medo, está disponível na Seara do Gallo, www.verbo21.com.br.


Imagem: ilustração de Sidney Paget (1860-1908).

domingo, 25 de julho de 2010

LINDAS CAPAS, 1

Se o livro é ótimo, mas a capa é feia, não há nenhum problema. Contudo, se o livro é ótimo e a capa é bonita, uma obra de arte, então temos dois motivos para celebrá-lo. Provavelmente, as pessoas conhecem Tubarão, de Peter Benchley, mais pelo filme, que, no entanto, apenas reproduz do livro a sua trama de horror; tudo o mais é descartado, especialmente a crise existencial e conjugal por que passa o chefe de polícia, e a descrição precisa do contexto socioeconômico e cultural que o anima, o lugar e a gente que se transforma em comida de tubarão. Além disso, Tubarão é um ótimo romance policial, do gênero serial killer. E com dois aspectos de exceção, que fazem dele um exemplar único: o assassino não é um homem, mas um animal, e a ação desloca-se da investigação do crime para a caçada deliberada ao assassino. Neste sentido, é uma citação direta ao extraordinário Mobydick, de Melville, sem a pretensão de se converter num ícone da literatura universal. A capa desta edição da Record consegue a proeza de ser ao mesmo tempo literal e impactante. Põe metonimicamente toda a praia na boca e no estômago da fera, que ganha prestígio de monstro lendário, diabólico.

sábado, 24 de julho de 2010

PHILIP ROTH


Não lia Philip Roth há muitos anos. Não obstante, três romances do autor jamais me saíram da cabeça: O complexo de Portnoy, O seio e O professor do desejo. O seio, particularmente, me impressionara muito. Narra a história de um homem que pouco a pouco se transforma num seio e acaba internado num hospital, um enigma para os médicos e uma atração para os jornalistas do mundo inteiro. A conclusão dessa improvável história é comovente: dor, abandono, solidão. Não há edições modernas desse livro. A única existente data dos anos 1970, pela Artenova, se não me engano.

Não é incomum que por muito tempo, apesar de termos apreciado um autor, fiquemos sem ler seus novos livros. Foi o que aconteceu comigo em relação a Roth, até que recentemente abri numa livraria A humilhação e só parei nesta madrugada. O argumento é ótimo: um famoso ator de teatro deixa de atuar porque descobre que ele próprio é um teatro, um embuste. Vai parar num sanatório, faz novas amizades, não ouve os conselhos de seu agente e, por fim, começa uma relação amorosa com uma ex-lésbica. O resto é a vida, mas em tom de quase sonho. Tudo acontece como se o protagonista não pudesse interferir, ao sabor de um misterioso fluxo, metáfora da existência. Até que ele toma uma decisão, que é a errada, a pior que poderia tomar. Coerente com seu assunto, a vida de um ex-ator, o romance se estrutura em três atos, como uma peça, e se conclui com uma ironia: o ator volta a atuar, mas é a sua última atuação.

Diferentemente de muitos autores experientes, que com o passar do tempo incorrem em repetições, Roth continua cheio de imaginação e disposto a refletir ou simplesmente aceitar os novos tempos: "Ela só queria se livrar dele para satisfazer o desejo humano, tão comum, de tocar para a frente e tentar uma coisa nova". A humilhação, apesar de sua brevidade, pouco mais de cem páginas (e isso talvez até o faça mais luminoso), é romance de um autor avesso ao comum.

Imagem: cartaz do filme Elegy (no Brasil, "Fatal"), baseado em romance de Philip Roth.

sábado, 17 de julho de 2010

ATIRE EM SOFIA NA BAHIA

"Numa cidade cujo nome jamais é dito, mas tudo indica tratar-se de Salvador. Três tiros ecoam entre os atabaques do candomblé, dezenas de mãos apertam o gatilho. É um verão esquisito; calor febril intercalado por tempestades furiosas como lágrimas de Iansã, na cidade mestiça magnetizada por superstições, paixões, fatalidades [...]

Uma morte misteriosa fere a cálida estação: a vítima, Sofia do Rosário, retorna para a cidade natal depois de 20 anos no rio de Janeiro. Ela é uma mulher divorciada e emancipada; uma mulher madura e sensual, que inspira temor e fascínio nos homens."

SONIA COUTINHO é contista, ensaísta, romancista, tradutora e jornalista. Trabalhou no Correio da Manhã, Última Hora e O Globo. Neste último, permaneceu quinze anos e exerceu diversas funções, entre as quais a de editora da seção de resenhas e crítica de livros. Publicou onze livros de ficção e ganhou dois prêmios Jabuti. Sugestões de leitura do blogueiro: Atire em Sofia, Ovelha Negra e Amiga Loura & Rainhas do crime.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

TEMPO BOM NA LITERATURA


Sidney Rocha e Cristhiano Aguiar organizaram um volume de contos com autores brasileiros para ajudar as vítimas das recentes enchentes em Pernambuco e Alagoas. A editora Iluminuras publicou, e a Livraria LDM vai lançar o livro em Salvador, com a presença dos autores baianos que integram o projeto: Lupeu Lacerda, Lima Trindade e Gustavo Rios. O montante arrecadado será destinado às vítimas das enchentes. O exemplar custa R$26,00. Compareça e faça a sua parte.

LANÇAMENTO
9 de julho, sexta-feira
de 18 a 21 horas

LIVRARIA LDM
Rua Direita da Piedade, 20, Piedade
Salvador, BA

(71)2101-8007
eventos@livrariamulticampi.com.br

quarta-feira, 30 de junho de 2010

VÁ AO TEATRO!


Dias 4 e 5 de julho, às 19:30, Teatro Margarida Ribeiro, Feira de Santana, BA. Ingressos populares: R$8,00 & R$4,00. Clique em cima do cartaz para aumentá-lo.

domingo, 27 de junho de 2010

PASSARINHO

Victor Vhil estava em seu gabinete, labutando com um conto, quando um passarinho pousou no peitoril da janela. Um pardal, um tico-tico, uma rolinha... Victor tinha certeza apenas de que não era um pombo.
– O que você está fazendo? – o passarinho perguntou, para surpresa de Victor.
– Escrevendo um conto. Mas provavelmente você não sabe o que é um conto...
– Sim, sei. Já li muitos – e o passarinho abriu as asas e distendeu-as para longe do corpo, como se quisesse se desprender de um peso, talvez de uma vida.
– Leu? – o assombro de Victor se intensificou.
– Sim. Mas nenhum de fato interessante.
Acesa a curiosidade, Victor se acomodou melhor à cadeira e se afastou de seu texto, um emaranhado de papéis rabiscados, rasurados. Ainda escrevia a lápis e depois emendava de caneta, ora azul, ora vermelha, muito raramente verde.
– Nenhum interessante?
– Não.

Quem quiser ler a continuação deste conto, vá à revista Verbo 21.

Imagem: o canário Woodstock, criação de Charles Schulz.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

VIAGENS


"Para que vamos a Marte? Para ver se há água; grande novidade, água. E exploramos o Universo para descobrir se há vida, isto é, para ver se há mais do mesmo. Os homens, sabendo ou não, casam-se com suas mães, e as mulheres com seus pais, porque esses são seus modelos. Se as pessoas soubessem com quem realmente transam, quando deitam com seu parceiro, ficariam espantadas."

JUAN JOSÉ MILLÁS. Em Laura e Julio (São Paulo: Planeta, 2007).

sexta-feira, 18 de junho de 2010

EM JULHO, PORTAL 2001


Em julho, será lançada a Portal 2001, a quinta revista de contos de ficção científica organizada por Nelson de Oliveira. Entre os colaboradores, mestres do gênero como Bráulio Tavares e Roberto de Sousa Causo. Da nova geração: Delfin, Rogers Silva, Brontops Baruq, Sid Castro, Daniel Fresnot, Maria Helena Bandeira, Luiz Bras e outros. Como um dos participantes, terei direito a alguns exemplares e enviarei um ao leitor do Não leia! que colocar o melhor comentário provando que é conhecedor e apreciador do gênero. Caprichem!
Clique na capa para ampliar e conferir os participantes.

terça-feira, 15 de junho de 2010

CARLOS BARBOSA & MAYRANT GALLO














Os autores lançam seus livros mais recentes, Beira de rio: correnteza e Nem mesmo os passarinhos tristes, fazem leitura pública e conversam com os leitores, na UEFS, dia 17 de junho, a partir das 14 horas. O evento é uma iniciativa do Núcleo de Leitura Multimeios, da UEFS.

PROGRAMAÇÃO:
14:00 – Recital
14:30 – Leitura pública e conversa com os autores
16:00 – Sessão de autógrafos
16:30 – Café literário

LOCAL:
Universidade Estadual de Feira de Santana
Auditório IV, Módulo 6

domingo, 13 de junho de 2010

DA VINCI E OS MINICONTOS

Da Vinci também escreveu seus minicontos. O que não é nenhuma surpresa, afinal de contas a Literatura e a Ciência, para homens como ele, tornam-se simplesmente contextos favoráveis à realização de seu gênio.

O ENFERMO

Estava um enfermo à beira da morte quando ouviu baterem à porta. Perguntou a um de seus servos quem o fazia, e o servo respondeu-lhe ser uma mulher que se chamava Madona Boa. Então o enfermo elevou os braços ao céu, agradeceu a Deus em voz alta, depois disse ao servo que a deixasse vir depressa, a fim de que pudesse contemplar uma boa mulher antes de morrer, porque em vida jamais havia encontrado nenhuma.

O DORMINHOCO

Foi dito a um homem que se levantasse do leito, porque o sol já estava alto, e ele respondeu:
"Se eu tivesse tão longas viagens e afazeres para realizar quanto ele, também já teria me levantado, porém, tendo a cumprir tão pouco caminho, não me levantarei ainda".

OS OLHOS DE ESTRANHA COR

Um homem disse a um conhecido:
"Tu tens os olhos alterados para uma cor esquisita!"
O outro respondeu que isso lhe sobrevinha com frequência.
"Mas tu não colocas nenhum remédio? E quando te acontece isso?"
"Toda vez que meus olhos veem teu rosto estranho! Pela violência recebida por tão grande desprazer, súbito eles empalidecem e mudam para uma insólita cor."

LEONARDO DA VINCI (1452-1519). As historietas acima integram o volume Sátiras, fábulas, aforismos e profecias (São Paulo: Hedra, 2008). A tradução é de Rejane Bernal Ventura.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

HOJE, NO ICBA

Clique sobre o cartaz para aumentá-lo.
Fui convidado para intermediar o bate-papo com os dois escritores e estarei lá.
Apareçam!

sábado, 5 de junho de 2010

BEIRA DE RIO, CORRENTEZA


LANÇAMENTO
9 de junho, quarta-feira
de 17 a 21 horas

LIVRARIA LDM
Rua Direita da Piedade, 20, Piedade
Salvador, BA

(71)2101-8007
eventos@livrariamulticampi.com.br

quinta-feira, 20 de maio de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

RENATA BELMONTE NA LEGIÃO

Como se não houvesse amanhã – coletânea de contos inspirados em 20 canções da Legião Urbana, organizada por Henrique Rodrigues. Cada autor pôde escolher uma música e, no fim, todos os discos foram contemplados na obra. Em alguns casos, o contista usa a música como trilha sonora para uma história; em outros (maioria), a letra é recontada por meio de uma nova ação. Infelizmente, a diversidade incorreu não apenas na narrativa, mas na qualidade dos textos. Enquanto alguns se destacam pela criatividade e fuga do óbvio, como “Tempo perdido” (de Tatiana Salem Levy) e “Por enquanto” (de Renata Belmonte), outros pecam pela ingenuidade ou por serem meros exercícios de demonstração de riqueza vocabular. Em comum, entre todos, um cheiro de perda, dor e tristeza. Astros predominantes no universo de Renato Russo.

por RAPHAEL PERRET, na Butuca Ligada.

domingo, 16 de maio de 2010

AS IDEIAS DE ROBERT BRESSON

"É preciso que uma imagem se transforme no contato com outras imagens, como uma cor no contato com outras cores. Um azul não é o mesmo azul ao lado de um verde, de um amarelo, de um vermelho. Não há arte sem transformação."

"Criar não é deformar ou inventar pessoas e coisas. É estabelecer entre pessoas e coisas que existem, e tais como elas existem, novas relações."

"Em toda arte existe um princípio diabólico que age contra ela e tenta demoli-la."

"Nem realizador, nem cineasta. Esqueça que você faz um filme."

"Não filmar para ilustrar uma tese, nem para mostrar homens e mulheres limitados a seu aspecto exterior, mas para descobrir a matéria da qual eles são feitos. Atingir esse 'coração do coração' que não se deixa captar nem pela poesia, nem pela filosofia, nem pela dramaturgia."

"Nade de excesso, nada que falte."

"O cinema sonoro inventou o silêncio."

"Aproximar as coisas que ainda jamais foram aproximadas e não pareciam dispostas a ser."

"Uma coisa errada, se você mudá-la de lugar, pode ser uma coisa bem-sucedida."

"Desmontar e remontar até a intensidade."

"Não pense no seu filme além dos meios que você criou para você."

"Seja o primeiro a ver o que você vê como você o vê."

"Remeter o passado ao presente. Magia do presente."

"Uma coisa velha se torna nova se você a destaca do que a cerca habitualmente."

ROBERT BRESSON (1907-1999), cineasta francês de renome, tinha um estilo único de filmar e filmava incansavelmente à sua maneira, sem se trair nunca. Foi também um teórico do cinema, com ideias próprias que influenciam artistas até hoje, e não somente do meio. É importante perceber que as reflexões acima podem ser direcionadas, por exemplo, à criação literária, especialmente a prosa. Entre seus filmes mais célebres estão: Pickpocket (1959), O processo Joana D'Arc (1962) e O dinheiro (1983). Trechos extraídos de Notas sobre o cinematógrafo (Iluminuras, 2005), de autoria de Bresson.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

(NÃO) SAIU NA IMPRENSA, (AINDA)

Nem mesmo os passarinhos tristes
Autor: Mayrant Gallo
Editora: Multifoco (RJ)
Páginas: 150
Valor: R$30,00

Um livro de minicontos. Histórias breves, rápidas, poéticas. Algumas não vão além de uma linha, outras cobrem uma página inteira. Registro lírico, sarcasmo, ironia, crueldade, humor. Há de tudo um pouco. E, em tempo de Copa do Mundo, eis uma visão nada otimista do país do futebol:

“Quando o sol chegou a pino, e os jogadores abandonaram o campo, entraram os três cavalos e, com os rabos abanando, se dispuseram a devorar o resto”. (ANIMAIS).

Embora muitos acreditem que o miniconto é um gênero recente, não é. No mundo árabe, o miniconto é arte literária há pelo menos mil anos, e talvez o primeiro livro de minicontos do Ocidente tenha mais de um século: Histórias naturais, do francês Jules Renard, de 1896. No Brasil, ganhou impulso nas duas últimas décadas e virou febre, moda, onda, como queiram chamar, e tem em Dalton Trevisan o seu maior cultor. Kafka, Cortázar e Brecht também se exercitaram no miniconto.

Em Mayrant Gallo, que costuma ressaltar a superioridade da poesia sobre a prosa, as historietas cunham uma linguagem que forçosamente, para segurar o leitor, mescla as duas formas, confundindo-as:

“Um homem queria evitar o vinho, ir além, vencer, contornar as ruínas... Mas tudo o que conseguiu foram três filhas.” (PASSAPORTE FALSO)

Ou neste enigmático PÔQUER: “As mãos que guardavam o baralho eram a mesmas que lascaram o lacre e distribuíram as cartas.”

Como afirma o escritor Carlos Ribeiro, na orelha do volume, “Mayrant Gallo tem nas entrelinhas a sua grande vocação”. Diz e diz um pouco mais sem dizer. Que o leitor se alimente. Ou se intrigue.


UM JORNAL QUALQUER

sexta-feira, 7 de maio de 2010

PASSARINHOS E MACROMUNDO


NEM MESMO OS PASSARINHOS TRISTES, Mayrant Gallo
&
MACROMUNDO, Wladimir Cazé

Na única livraria de verdade da cidade!

22 de maio, 2010
De 10 a 14 horas

LDM LIVRARIA MULTICAMPI
Rua Direita da Piedade, 20, Piedade
Salvador, BA

Apareça!


Uma coprodução Multifoco,
Confraria do Vento
& LDM Livraria Multicampi.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

domingo, 2 de maio de 2010

VÁ E VEJA, 7: HELL

"A maioria das pessoas é outra pessoa. Seus pensamentos são as opiniões de outra pessoa, suas vidas uma mímica, suas paixões uma citação." (OSCAR WILDE)

Esta é, ironicamente, uma citação perfeita para se assistir a Hell (2009), de Bruno Chiche, baseado no livro de Lolita Pille, que assina com ele o roteiro.

O cenário é a Paris contemporânea. O assunto, o tédio. Os protagonistas, os jovens burgueses destituídos de sonhos, pois têm tudo e, assim, só lhes resta trepar e se drogar, não importa com quem nem como.

O foco narrativo acompanha o dia a dia de Hell, filha única de um casamento esfacelado. Entremeados na trama, há aspectos que esclarecem e definem a psicologia da personagem, como a cena em que, ao chegar tarde da noite em casa e encontrar a mãe ainda acordada, ela pergunta: "Esperando por mim?" "Não, pelo seu pai."

Hell também se autodefine, niilisticamente. Quando um cara que ela acabou de conhecer lhe pergunta, num bar, o que ela faz além de chorar nas ruas (referência a uma cena anterior, primeiro encontro de ambos) e beber nos bares, ela responde: "Também choro nos bares".

Uma das chaves do filme está na sequência em que Hell, convocada a dar uma canja vocal num bar, canta uma cantiga infantil, como se fosse uma garotinha, os olhos marejados:

Era uma vez um barquinho
Que nun, nun, nunca navegou
Oê, oê; oê, oê, marinheiro
Marinheiro navega sobre as ondas.

Ele fez uma longa viagem
No mar Me, Me, Mediterrâneo
Oê, oê; oê, oê, marinheiro
Marinheiro navega sobre as ondas.

O resto é noite, cidade, sexo e cocaína. O espírito noir foi no passado uma exclusividade de seres à margem e envolvidos em crimes. Hoje é a própria vida, comum e cotidiana.

Mas o que isso tem a ver com a citação de Wilde? Bem, fica evidente no filme que Hell não consegue ser ela própria. Desprezada pelos pais e sufocada pelo mundo, ela só pode ser outra pessoa, o modelo fútil e vazio que está à sua volta. O modelo que o dinheiro, combustível em profusão, move em direção ao sexo fácil e sem sentimentos, à cocaína como refúgio e aos atos gratuitos, esboços tênues de uma individualidade perdida.

sábado, 1 de maio de 2010

GRADATIVA EXCLUSÃO DA LITERATURA

Aquilo que o Governo chama "cultura" é o que usualmente chamamos Arte: Literatura, Música, Pintura, Escultura, Arquitetura, Teatro, Fotografia, Dança, Cinema, Quadrinhos. Há ainda a "arte popular", com suas manifestações peculiares, suas circunstâncias regionais específicas e suas escolhas estéticas, do mais simples ao mais complexo.

E é por isso que me espantei de ver que, na capa da Nova Lei da Cultura: material informativo sobre o projeto de lei que cria o programa nacional de fomento e incentivo à cultura, não se representa a Literatura. Ora, a literatura, como manifestação artística (ou, se preferirem, cultural), é tão antiga quanto o homem. Nasceu nas paredes das cavernas, com as pinturas rupestres, que são, grosso modo, narrativa e poesia, as duas essências básicas da literatura. Posteriormente, os "desenhos" se transformaram em palavras, frases, textos, os gêneros literários como os conhecemos hoje: poesia, conto, romance etc.

A ausência da Literatura ali será uma exclusão entre tantas inclusões? Talvez sim e talvez não, pois, dentro do livreto da Nova Lei, há uma referência discreta à Literatura, na seção em que se mencionam os novos fundos setoriais: Fundo setorial do livro, leitura, literatura e humanidades. Pouco, porém. Muito pouco. E imprensada entre pesos pesados da tão badalada "economia da cultura".

É inevitável, portanto, que eu me lembre de T. S. Eliot, quando ele afirma que uma sociedade que não lê literatura tende a decair e desaparecer. Sem dúvida, pois de que outro modo poderemos refinar nosso pensamento, se não através da poesia e das narrativas, que, quanto mais elevadas, mais benéficas ao homem, mais "educativas", mais libertadoras? Garanto que não será através do jornalismo-verdade. E é ainda T. S. Eliot quem diz que não devemos descer a arte ao nível do povo, mas elevar o povo ao nível da arte.

Essa é uma proposta ousada, que faz da Arte e da Educação uma coisa só. Sem uma, a outra não existe ou existe parcialmente. Quanto à Cultura, ela sempre existirá, pois meu sapato é cultura, um gesto é cultura, uma lata de lixo é cultura. Mas só a Arte é Arte.

Por isso sempre defendi que o ministério deveria ser esse: Ministério da Educação e das Artes. Enquanto não for assim não conseguiremos nos "elevar". Continuaremos a ser essa sociedade que rasteja.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CONTANDO NOS DEDOS OS FILMES BRASILEIROS

Não há nada mais previsível atualmente do que o cinema brasileiro: documentários biográficos, filmes sobre injustiça social, comedinhas românticas com os astros da Globo, a condição do Nordeste, banditismo, a cultura ingênua do campo, biografia de dupla sertaneja, reflexão rasteira sobre as minorias e até ficção barata com o Presidente da República. Tudo isso com muito panfleto, conselhos de almanaque e frases de educação doméstica.

Tentei contar nos dedos os filmes brasileiros atuais que, de fato, apresentam algo novo em assunto (a dor humana mais simples, que é viver) e modo de filmar (através de um ângulo que nos sensibilize sem evidente apelo ao melodramático) e não completei as duas mãos.

Aquele filme que acabamos de ver e já queremos ver de novo, pois, mesmo depois de encerrado, continua a ecoar e a nos desafiar com a sua carga de ambiguidade... Aquele filme que nos transforma sem que o percebamos, pois a suposta transformação compreende apenas um insuspeitável acréscimo à nossa percepção do que seja o indivíduo ou o mundo... Aquele filme cuja intenção é apenas contar uma história com (e pelo) peso de si mesma, sem segundas intenções, notadamente políticas ou sociais... Aquele filme que não se fixa em nenhum tipo específico (o adolescente, a mulher, o negro, o pobre, o nordestino, o homossexual), nem em certas datas da História ou em determinados contextos sociais, e que, no entanto, é o Indivíduo, é a História e o contexto que mais nos interessa, o das Relações Humanas.

Esse tipo de filme só além-fronteira ou, de quando em quando, aqui, se algum cineasta ou roteirista se desprende daquilo que, nas telenovelas, chamo A Hora do Panfleto e da Utilidade Pública: aquele momento recorrente em que o personagem, em conversa com outro, recomenda, esclarece, explica, apresenta, conscientiza, com a intenção clara de recomendar, esclarecer, explicar, apresentar, conscientizar.

Contem vocês também nos dedos os filmes brasileiros e, se encontrarem algum Filme, me recomendem.
Imagem: cartaz do filme franco-romeno Casamento silencioso (2008), dirigido por Horatiu Malaele. Crítica irônica e bem humorada aos regimes políticos que desprezam o Indivíduo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

UM TÁXI PARA O INFERNO

Expulso aos cinco minutos do primeiro tempo, o meia-direita de uma equipe em crise, entrou no vestiário apenas para trocar de roupa e apanhar a mochila. Nem chegara a suar, portanto nem tomou banho. Foi embora.

Na rua, pegou o primeiro táxi que avistou.

Dentro do veículo, foi reconhecido e teve que se explicar, embora por vontade própria, espécie de desculpa a si mesmo por estar ali, voltando para casa, como um soldado que houvesse desertado:

“Fui expulso logo no início do jogo”.

Com essa informação, o motorista ligou o rádio e sintonizou a transmissão da partida. O time em crise já perdia por 2 x 0. Dois gols–relâmpagos, um atrás do outro. O time estava tonto, acossado, sem poder de reação. Cupins no vento, antes de um temporal. A bola ia e vinha na área, como se para seus jogadores estivesse besuntada de manteiga, e para o adversário, polvilhada de giz.

“Que ano, meu Deus!”, o jogador disse, suspirando.

O motorista parecia se divertir, mas, depois de um tempo, fechou o semblante e adotou uma fisionomia séria.

O carro corria livre, na noite sem tráfego. Não mais que trinta minutos do estádio até sua casa. E, com aquele deserto, não mais que vinte. O jogador se perguntou o que diria à mulher. Que fora expulso, claro! A verdade. A verdade que estaria em todos os jornais no dia seguinte. E na tevê, na internet, nas bocas por toda a cidade. Com um a menos, time se entrega. Três gols em dez minutos. Seis-a-zero foi pouco. Diretoria estuda a possibilidade de punir Gilvan. Técnico admite que expulsão foi decisiva para a construção do resultado. Expulsão desmontou o esquema e ainda desorientou o time. Empresário de Gilvan reconhece que depois da goleada a permanência do jogador no clube é quase impossível e que seu destino será mesmo a Europa. Colunista analisa o motivo da expulsão e explica o placar tão dilatado. Os dois próximos jogos serão decisivos. Técnico prevê mudanças nos três setores do time. Dupla de atacantes deverá ser substituída. Gilvan se recusa a dar entrevistas. Empresário afirma que até sexta-feira situação do meia-direita Gilvan estará definida. Presidente do clube é incisivo: “Aqui ele não joga mais!” Gilvan quebra o silêncio e diz que agora só pensa na Europa. Lazio confirma contratação de Gilvan. Gilvan é recebido com festa na Itália...


Conto recém-publicado na Verbo21, na coluna que tenho por lá, a Seara do Gallo. Portanto, quem quiser ler o resto da história, entre aqui: www.verbo21.com.br

Imagem: Bangu versus América, há muitos anos... Fonte: Blogol.

domingo, 28 de março de 2010

VÁ E VEJA, 6

Com ecos de Godard, Fellini, Antonioni, Saura, Tarkovski, Kar-Wai e Rohmer, Um dia muito especial é um filme que demonstra o quanto a originalidade na arte reside, em muitos casos, no resgate de uma tradição, deslocada para um novo contexto, geográfico ou temporal. Mohsen Makhmalbaf, que produziu, escreveu, dirigiu e montou o filme, vale-se dos cinco sentidos para refletir sobre o amor, a vida, o tempo, a História, a religião e a poesia. Podemos seguramente dizer que este filme é semiótico e sinestésico: não é para ser "acompanhado", em cada etapa da trama, se é que há alguma trama; deve ser apreciado pelo que reúne de belo em suas imagens, de forte e verdadeiro em seus diálogos reflexivos e de irreverente em seu contínuo vaivém entre o presente e o passado, embalado por temas musicais que mesclam violino, acordeon, melodias árabes, russas e ciganas. As influências dos cineastas citados, mais do que benéficas, são fonte e caldo, apoio e veneração. O diretor não sente pudor de apresentar seus mestres e com eles fazer o "seu filme": de Godard busca o sentido dos signos que estão à nossa volta e que nos regem, ainda que não admitamos isso; como Fellini, exercita a liberdade de filmar sem roteiro prévio ou padronizado, ao fluxo da criatividade; a exemplo de Antonioni, elege a relação amorosa e a mulher como meios de reflexão sobre a existência; de Saura resgata a dança como arte e jogo de sedução; de Tarkovski captura a poesia das coisas (uma sombrinha, o Outono, árvores floridas, luzes, folhas, ruas, o princípio da neve sobre os telhados); sob a influxo de Kar-Wai, introduz a música como elemento que desperta o espectador e o envolve no encantamento da trama, que, por sua vez é esvaziada ou apenas um pretexto intelectual para que, através de diálogos nada ingênuos, embora sem nenhum panfleto, espontâneos e profundos como nos filmes de Rohmer, reflitamos sobre o que é o amor, por conseguinte a vida e tudo o mais. Um dos pontos altos do filme está na cena em que o protagonista revela que trocou um quadro de Lênin por um do Messias e depois este por um cronômetro. Ora, ele trocou a História pela Religião e depois pela consciência do Tempo, essência única de que somos feitos e da qual não podemos escapar, o motor que nos rege, conduz e esmaga. E a consciência do tempo é a certeza de que se é um indivíduo, uno, e só há um ponto de alcance, a morte. Um filme para ser admirado, por sua beleza visual e estética, e desfrutado, pois compreende uma página da vida, a vida de todos nós.

sábado, 20 de março de 2010

OUTONO

Chegou o outono! E nós aqui de Salvador, que tivemos um verão abafado e grudento, devemos comemorar. O haicai (poema de origem nipônica) caracteriza-se por celebrar as estações do ano em confluência com o estado de espírito do eu do poeta, consequentemente do leitor. Tal aspecto acaba por impor que os haicais, na maioria do casos, quando reunidos em livro, sejam classificados ou separados conforme a estação que celebram: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Uma ótima coleção de haicais japoneses organizada dessa forma é a Haicais: antologia e história (Unicamp, 1996), sob a criteriosa orientação dos estudiosos Paulo Franchetti, Elza Taeko Doi e Luiz Dantas. Neste maravilhoso livro, o Outono começa na página 142, com um belíssimo haicai de Bashô. Que esta estação, nem sempre venerada a contento, adentre a nossa sensibilidade.

Nunca se esqueça
Do gosto de solidão
Do orvalho branco. (Bashô)

As libélulas,
A cor destes muros:
Que saudade da terra natal! (Buson)

Todas essas estrelas
Surgindo,
Ah, o frio! (Taigi)

Estrelas no lago
E então novamente o ruído
Da chuva fina que cai. (Hokushi)

Primeiras neves
Meu maior tesouro,
Este velho penico. (Issa)

O jarro quebra
Ah, o despertar
Do gelo na noite! (Bashô)

O cão late
Quem andaria
Por esta noite de neve? (Meimei)

Se não tivessem voz
As garças desapareceriam
Sobre a neve da manhã. (Sono-Jo)

Apenas estando aqui,
Estou aqui.
E a neve cai. (Issa)

Dos poetas aqui reunidos, Bashô, Issa e Buson são os mais célebres, sobretudo o primeiro. A foto acima é do filme: Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (2003), de Ki-Duk Kim.