"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 26 de junho de 2015

INÍCIOS EXEMPLARES, 7: Evtuchenko

"A autobiografia de um poeta são seus próprios poemas. O resto é suplementar.
O poeta tem o dever de se apresentar aos leitores com seus sentimentos, atos e pensamentos, de coração aberto.
Para ter o privilégio de exprimir a verdade dos outros, ele deve pagar um preço: entregar-se, impiedosamente, à sua verdade.
Enganar lhe é vedado. Se desdobrar a sua personalidade, de um lado o homem real e, do outro, o homem que se expressa, se tornará estéril. É inevitável.
Quando Rimbaud tornou-se traficante de negros, agindo contra os seus ideais poéticos, deixou de escrever. Foi a solução honesta.
Infelizmente, nem sempre é assim. Alguns se obstinam em escrever mesmo quando sua vida não coincide mais com a sua poesia. Abandonando-os, a poesia se vinga. Mulher rancorosa, ela não perdoa a mistificação, nem mesmo as meias-verdades.
Diante de um espelho, que os homens digam, não quantas vezes mentiram, mas simplesmente quantas vezes preferiram o conforto do silêncio."
 
EVTUCHENKO, Eugênio. Autobiografia precoce. São Paulo: Brasiliense, 1984. Tradução de Yedda Boechat. 116p.

ESTILO. Nestes sete parágrafos, quase aforismos, de tão claros e lúcidos, o autor confessa, de antemão, que não vai escrever sobre si mesmo, mas sobre o seu tempo e seu país, e é o que faz. A URSS surge nua diante do leitor, com suas contradições políticas e o desastroso programa cultural, que enterrou ou desterrou centenas de intelectuais. Em tempos de pretensiosos manuais orientadores para jovens poetas e escritores, e de jovens poetas e escritores mal saídos das fraldas a se exibir como gênios, o livro de Evtuchenko parece Vênus, brilhante e solitário nos céus.

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