Foto: Stephanie Wicks por Kim Guerra. |
O que se
espera de qualquer romancista é que ele nos apresente um mundo que só ele
conhece e que, doravante, também nos será íntimo. Não interessa se no presente,
passado ou futuro do mundo. Ou até mesmo nos três tempos, simultaneamente. O
mais importante é que o autor nos convença da existência daquele instante e
daquele lugar. Isso Gláucia Lemos obtém, com sobras. Seu romance Marce (Solisluna, 2013), subintitulado Espelho chinês, é um preciso exemplo de
universo específico romanceado. Narra a história da personagem-título, que,
depois de 26 anos longe, volta ao solar da família para, entre a irmã, os primos
e os tios, participar da leitura do testamento de sua tia Elaine, que a criou e
à irmã, depois da morte de seus pais. Ovelha negra, ela não espera nada dos
parentes e conta sua história, passada e presente, com o intuito de expurgar
suas feridas e se redimir de si mesma. O cenário é de cidade pequena; o clima,
chuvoso; e os personagens, sem qualquer maniqueísmo por parte da autora,
alternam os estados de ânimo que são o fundo e a forma de todas as pessoas:
simples seres humanos, com qualidades elogiáveis e equivalentes defeitos,
alguns bem terríveis. Se não fosse assim, de que valeria ler literatura? Sonhar
por sonhar, num leito é mais cômodo do que entre páginas. E o romance de
Gláucia Lemos é exatamente isso: um refúgio de onde saímos mais conscientes do
que sejam o mundo e os homens.
Publicado originalmente na Verbo 21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário