"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

LEITURAS 37: CONTOS DE NATAL

Ilustração: Rogério Borges. 
Abri ontem o volume Os melhores contos de Natal (Círculo do Livro, 1988) e reli alguns dos mais tocantes contos de natalinos já escritos. Estão lá autores como Charles Dickens, Guy de Maupassant, Machado de Assis, Jack London, Górki, O. Henry, Hawthorne, Bret Hart e Robert Louis Stevenson. Os contos são realmente os mais clássicos do gênero, mas há algumas surpresas, como o sensível relato A lenda da casa número 15, da autora da extinta Iugoslávia, de idioma servo-croata, Ida Fürst, e O pároco, do brasileiro Coelho Neto, hoje esquecido e odiado, por seu estilo, considerado por muitos excessivo e empolado. Bem, quem vier a ler O pároco não vai achar nada disso e sairá do conto entusiasmado para ler outras obras do autor. Sabemos, de há muito, o quanto os brasileiros amam diminuir e até destruir gratuitamente seus artistas e heróis, e não seria nenhum disparate se algum leitor, aqui despertado, descobrisse que Coelho Neto tem valor e ainda é legível e atual.
 
Há contos magistrais neste livro, que forma, em parte e no todo, um espectro profuso e variado de vozes e cores, no qual teses pró e contra o Natal emergem, elevando este acontecimento e impondo aos leitores horas de prazer e proveito. Missa do Galo, Cântico de Natal, Como Papai Noel chegou a Simpson's Bar, Sonho de uma noite de Natal, Natal no rancho e Markheim são, talvez, os mais famosos. Todos, porém, deixam sua contribuição tanto para uma compreensão mais profunda do Natal quanto da vida, espécie de contraponto ao que se espera da noite natalina. Neste aspecto, um dos melhores contos é, sem dúvida, o de Górki, pois, em sonho, seus personagens natalinos, quase todos pobres e tristes, voltam para lhe cobrar que seja menos cruel, pois a vida já o é, suficientemente. Um dos personagens lança-lhe na cara esta prédica: "Por que escreveu essas coisas? Para que vive inventando essas desgraças, essas tristezas? Que pretende com isso? Desfazer o que resta de fé e esperança no coração dos homens? Tirar-lhes a confiança na redenção, mostrando-lhes somente o mal? Aniquilar o desejo de viver, apresentando a existência como um suplício sem fim e sem remédio?" O narrador, estarrecido, mal consegue balbuciar uma defesa, alegando que é o que fazem todos os escritores, imaginam "cenas bem tristes, bem tocantes, para despertar", em seus leitores, "sentimentos compassivos, abrir os corações à piedade".
 
Metalinguístico e, ao mesmo tempo, um belo relato natalino, este conto ironiza com o encarceramento dos autores aos gêneros, sugere que precisam ser mais ousados e admite que, aqui e ali, os personagens tomam as rédeas das criações literárias e, à revelia do autor, abrem e fecham portas. Ao findar sua leitura, me lembrei do que me disse, recentemente, uma jovem leitora a quem perguntei sobre suas leituras de Máximo Górki. Ela simplesmente me disse que deixou de ler Górki, porque leu em algum lugar que ele escrevia mal. Mal ou aquém ou além do gosto e da capacidade de compreensão de quem o leu e criticou? É o mistério.

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