A atriz preferida de meu pai era Ava Gardner.
Ele não perdia um filme da beldade americana, e isso causava em
minha mãe certo rasgo de ciúme, a ponto de ela sempre se referir à
moça num inconfundível tom de desprezo. Um amigo, apreciador de
filmes antigos, sente-se muito mais feliz se a película vier
encabeçada pela saudosa Rita Hayworth. Também tenho lá minhas
preferências, mas procuro não destacar a beleza física do talento
de representar, que, no fundo, é muito mais importante. Mas a
verdade é que esta inclinação, ou fraqueza, que muitas pessoas têm
para se deter diante de um rosto bonito leva-as, às vezes, a
incorrer num certo mau hábito, bem comum em nosso tempo: a vontade
de ser a todo custo o que dificilmente se pode alcançar, que Machado
de Assis tão bem ilustrou em Um homem célebre.
Semanas atrás, ao mexer num monte de livros
que recebi de autores pouco considerados, achei um volume de poemas
dedicados a mulheres famosas, embora não especificamente por sua
beleza. Em meio a fotos e breves textos biográficos, lá estavam
alguns dos poemas mais horrendos que já li. E pior: a foto de uma
das mulheres, a atriz Maria Schneider (1952-2011), não correspondia
à mesma, era de outra pessoa; de uma homônima cantora de jazz, na
verdade. Como conheço a atriz razoavelmente bem, por todos os seus
filmes a que assisti, e guardando ela ainda certa popularidade por
causa do polêmico filme de Bernardo Bertolucci, em que contracena
com Marlon Brando, O último tango em Paris (1972), aquele
erro grosseiro me chocou. E, com meus botões, me perguntei como
seria possível que um poeta, por menor que fosse, tivesse cometido
tamanho disparate: escrito um poema exaltando uma atriz que ele mal
conhecia, tanto que lhe atribui uma foto que não é dela. A resposta
é simples: o mau hábito de se querer ser o que não se é, que,
mesclado às facilidades da internet (a fonte de pesquisa do autor
foi o famigerado Wikipédia), eleva o sujeito a uma altura que lhe é
indevida.
No entanto, muito mais que isso, nosso poeta
carece de senso crítico, o que, diga-se de passagem, só se obtém
com sólida educação formal e leitura. Se, numa sociedade, ambas
fracassam (não há nem educação formal de alta qualidade, nem
leitura, porque, grosso modo, a educação atual não educa o sujeito
para ler), os poetas acabam por se tornar pseudopoetas, acríticos,
vaidosos e entontecidos pelas possibilidades que a tecnologia oferece
e nas quais, não raramente, não se deve confiar. Um poeta, para ser
grande e ecoar, precisa, antes de tudo, de talento e de uma robusta
formação educacional e intelectual, de modo que, sem percalços,
angarie credibilidade e, por fim, devoção. Em duas palavras: Castro
Alves.
Publicado originalmente no Correio da Bahia, 29/12/2012.
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