"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

POETAS DA PSEUDOINFORMAÇÃO

A atriz preferida de meu pai era Ava Gardner. Ele não perdia um filme da beldade americana, e isso causava em minha mãe certo rasgo de ciúme, a ponto de ela sempre se referir à moça num inconfundível tom de desprezo. Um amigo, apreciador de filmes antigos, sente-se muito mais feliz se a película vier encabeçada pela saudosa Rita Hayworth. Também tenho lá minhas preferências, mas procuro não destacar a beleza física do talento de representar, que, no fundo, é muito mais importante. Mas a verdade é que esta inclinação, ou fraqueza, que muitas pessoas têm para se deter diante de um rosto bonito leva-as, às vezes, a incorrer num certo mau hábito, bem comum em nosso tempo: a vontade de ser a todo custo o que dificilmente se pode alcançar, que Machado de Assis tão bem ilustrou em Um homem célebre.
Semanas atrás, ao mexer num monte de livros que recebi de autores pouco considerados, achei um volume de poemas dedicados a mulheres famosas, embora não especificamente por sua beleza. Em meio a fotos e breves textos biográficos, lá estavam alguns dos poemas mais horrendos que já li. E pior: a foto de uma das mulheres, a atriz Maria Schneider (1952-2011), não correspondia à mesma, era de outra pessoa; de uma homônima cantora de jazz, na verdade. Como conheço a atriz razoavelmente bem, por todos os seus filmes a que assisti, e guardando ela ainda certa popularidade por causa do polêmico filme de Bernardo Bertolucci, em que contracena com Marlon Brando, O último tango em Paris (1972), aquele erro grosseiro me chocou. E, com meus botões, me perguntei como seria possível que um poeta, por menor que fosse, tivesse cometido tamanho disparate: escrito um poema exaltando uma atriz que ele mal conhecia, tanto que lhe atribui uma foto que não é dela. A resposta é simples: o mau hábito de se querer ser o que não se é, que, mesclado às facilidades da internet (a fonte de pesquisa do autor foi o famigerado Wikipédia), eleva o sujeito a uma altura que lhe é indevida.
No entanto, muito mais que isso, nosso poeta carece de senso crítico, o que, diga-se de passagem, só se obtém com sólida educação formal e leitura. Se, numa sociedade, ambas fracassam (não há nem educação formal de alta qualidade, nem leitura, porque, grosso modo, a educação atual não educa o sujeito para ler), os poetas acabam por se tornar pseudopoetas, acríticos, vaidosos e entontecidos pelas possibilidades que a tecnologia oferece e nas quais, não raramente, não se deve confiar. Um poeta, para ser grande e ecoar, precisa, antes de tudo, de talento e de uma robusta formação educacional e intelectual, de modo que, sem percalços, angarie credibilidade e, por fim, devoção. Em duas palavras: Castro Alves.

Publicado originalmente no Correio da Bahia, 29/12/2012.

Nenhum comentário: