As histórias de amor existem
desde o princípio do mundo. Representá-las na literatura ou no cinema ―
quaisquer que sejam ― implica que se invista na forma. O segredo, portanto,
para se alcançar êxito artístico, é trabalhar a linguagem, a estrutura, o tom, ritmo,
textura, cor. É com estes atributos que a cineasta Mia Hansen-Love dirigiu um
dos melhores filmes franceses deste começo de século, Adeus, primeiro amor, que, na verdade, deveria ser traduzido em
português por Amor jovem ou, mais
literalmente, Um amor de juventude. O
idílio ― trivial, diga-se de passagem ― envolve uma garota de quinze anos,
Camille, e seu namorado, Sullivan, alguns anos mais velho. De espírito
aventureiro, ele quer viajar para a América do Sul, viver outras histórias, sofrer
peripécias e ganhar experiência. Ela, por sua vez, mais sensata e menos
sonhadora, deseja apenas amá-lo, chama-o de “meu Romeu” e afirma, sem
hesitação, que o rapaz é o amor de sua vida, o que deixa sua mãe perplexa. Mas,
de fato, quem mais pode dizer quem é o amor de sua vida senão aquele que ama?
Obviamente que, ainda no primeiro terço do filme, eles se separam, e a garota
sofre, à espera de seu Romeu, de quem recebe cartas periódicas, até que também
estas cessam, silenciando-o. Demonstrando profundo conhecimento do cinema
francês desde a Nouvelle Vague, especialmente de Rohmer, Truffaut, Chabrol e
Blier, e exercitando de forma natural as influências e seu próprio estilo, a
diretora transforma o périplo amoroso de Camille num tour de force, ao qual se acrescenta todo um repertório de recursos
estéticos que fazem de seu sofrimento ― e do filme! ― um deleite para os olhos
e o espírito. As estações meteorológicas tornam-se as estações da juventude e
da vida, as cores de seu estado de ânimo migram para a paisagem e desta para a
sua alma, campo e cidade se alternam com suas cores e seus respiros, o choro e a melancolia
dão lugar ao mutismo e à impertinência de mudar, superar-se a qualquer custo, e
da contenção existencial de início chega-se à expansão. Com o retorno de
Sullivan, uma nova fase começa, até o desfecho, metafórico, simbólico,
oriental: a vida é como um rio. O amor, sobretudo o amor de juventude, é rito
de passagem, uma espécie de organizador da vida. Infelizes os que não passam
por ele; bem-aventurados os que o superam.
2 comentários:
Bela resenha. Fui em busca do filme, assisti ontem, fiquei deslumbrada, estou deslumbrada.
Fico feliz, A., de colaborar com mais este item para a sua filmoteca pessoal. Grato pelo comentário!
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