"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 12 de abril de 2009

CATÁLOGO MAIGRET, 2

MAIGRET E A JOVEM MORTA (Maigret et la jeune morte). Publicado em 1954, este relato promove uma inesperada disputa entre o comissário Maigret e Lognon, o inspetor dito Mal-Ajambrado, que tem complexo de inferioridade e vive com mania de perseguição. Ao mesmo tempo que durante a investigação serve ao comissário, Lognon tenta superá-lo e, desse modo, ser reconhecido como um excelente detetive, sem saber que na opinião de Maigret já o é. O pretexto para essa emulação é a história da jovem Louise Lamboine, que foge de casa em Nice e vai para Paris, onde, depois de passar por muitas privações, é assassinada na solidão de uma noite. Quem era Louise Lamboine? Por que foi morta? Quem a matou? E por quê? O fim da competição entre os dois policiais é marcado por uma sutil ironia: a mesma pista que despacha Lognon para Bruxelas, atrás de um viajante improvável, permite a Maigret resolver o mistério ali mesmo, em Paris. O comissário, contudo, não se vangloria, pois Lognon não cometera nenhum erro: "não há curso de polícia que ensine a colocar-se na pele de uma jovem educada em Nice por uma mãe semi-louca". Mais que uma investigação policial, este romance representa um interessante estudo sobre a inadaptação ao mundo, o abandono e a dor de estar vivo.

A VÍTIMA – "Maigret não confessava a si mesmo que o que mais o intrigava era o rosto da vítima. Conhecia apenas um dos perfis. Quem sabe eram as equimoses que lhe emprestavam aquele ar aborrecido? Parecia uma garotinha mal-humorada. Os cabelos castanhos jogados para trás, muito leves, eram naturalmente ondulados. Sob a chuva, a maquilagem diluíra-se um pouco e, em vez de a envelhecer ou enfear, isso a tornava ainda mais jovem e atraente."

OS SONS DA VIDA – "Escutava Paris despertar pouco a pouco lá fora, ruídos isolados, mais ou menos longínquos, primeiro espaçados, depois formando uma espécie de sinfonia familiar. Os porteiros começavam arrastar os latões de lixo para o meio-fio. Na escada soaram os passos da empregadinha da leiteria que colocava as garrafas de leite diante das portas."

O QUEBRA-CABEÇA – "Louise Laboine era como as chapas fotográficas mergulhadas no revelador. Dois dias antes não existia para eles. Tornara-se depois um vulto azul, um perfil na calçada úmida da praça Vintimille, um corpo alvo no mármore do Instituto Médico-Legal. Agora tinha nome; a imagem que começava a esboçar-se permanecia ainda esquemática."

CHUVA – "Lá em cima, as nuvens deixaram o branco e dourado para se tornarem de um cinzento azulado, e a chuva começou a cair em diagonal, tamborilando no peitoril da janela, enquanto na ponte Saint-Michel as pessoas de repente caminhavam mais depressa, como nos velhos filmes mudos, as mulheres segurando as saias."

LOGNON, O RIVAL – "Queria tanto acertar, sentia tal desejo de se distinguir, que avançava de cabeça baixa, persuadido de que dessa vez provaria o seu valor.
Seu valor era reconhecido. Só ele não o sabia."

IRONIA – "Até sua morte era como que uma ironia do destino. Se a correntinha da bolsa prateada não estivesse enrolada no pulso, Bianchi se limitaria a arrebatá-la e o carro se afastaria a toda velocidade."

2 comentários:

Lidi disse...

Fiquei com vontade de ler algum livro de Simenon. Ainda não conheço a obra dele. Abraço.

Hitch disse...

Simenon já é garantia de fartura. E das sementes, destas só podemos tirar bons frutos. Aquele abraço.