"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

LEITURAS, 32: HELENA TERRA

Capa: Humberto Nunes.
Conheci a Helena Terra através do blogue Bípede Falante, que, infelizmente, ela encerrou. Desde o princípio, percebi que ela escrevia bem e que seus pontos de vista diferiam dos demais blogueiros que eu acompanhava. Além do mais, alimentávamos, ela e eu, uma predileção literária: os autores húngaros. Sándor Márai, Ferenc Molnár e seus compatriotas não são de gastar palavras e, em geral, nos impõem uma experiência primordial, que excede a estética europeia, e da qual não conseguimos, jamais, nos libertar. Uma vez lidos, serão sempre admirados, revisitados e relidos. E foi assim, com estas lembranças, que abri o seu A condição indestrutível de ter sido (Porto Alegre: Dublinense, 2013), feliz com o fato de ela publicar sua primeira narrativa longa, mas com receio de, por algum motivo, não conseguir apreciá-lo. Os mais difíceis julgamentos são aqueles em que um segundo princípio, neste caso a amizade, está em jogo. Mas foi o contrário. Li-o inteiramente durante uma madrugada. A história de amor que surge em meio às navegações da internet e alcança o corpo a corpo me arrebatou, e não fosse o seu estilo, econômico e reflexivo, ainda assim eu a admiraria, pois as histórias de amor são as que ficam. Na linhagem de Henry James, pois abdica de cenários e ação em favor das ideias e dos torneios dialéticos, Helena Terra reafirma a minha convicção de que literatura é linguagem, frases bem construídas, ideias em debate, gozo estético, arrebatamento e metáforas. Não é senão por isso que nos entregamos à leitura de poesia e ficção. Outro aspecto a se ressaltar é a estrutura da trama, que, no desfecho, resgata um motivo apenas esboçado no início, surpreendendo o leitor, que, naquele momento, teme por alguma solução mais fácil. E o mais edificante é que ela não o faz de maneira postiça: a conclusão é tão espontânea e vívida, que, de imediato, sabemos que é a própria existência que a esculpe, com seu fluxo implacável. Todas as ficções só encerram um propósito: representar a vida, e é esta que acaba por moldar as histórias, por mais estranhas que sejam. Pensemos somente em Os ratos, de Dyonélio Machado, ou em Noite, de Érico Veríssimo. Seus protagonistas pouco interferem e, quando o fazem, é por efeito dos cordames que os movem. Minha felicidade, portanto, foi plena: por admirar a obra em si e por saber que, de alguma forma, durante aqueles anos que acompanhei o Bípede Falante, testemunhava, indiretamente, a autora surgir. E para ficar, obviamente, pois não são de curto alcance os autores que escrevem trechos assim: "Desde o princípio, a vida se transforma conforme a incidência de luz; as pessoas, com a chegada de outras. Uma chegada é um enigma". Saudemos a chegada de Helena Terra, uma escritora por quem expresso aqui a minha admiração. 

3 comentários:

Lidi disse...

Parabéns a Helena Terra, Lelena, nossa Bípede Falante, a quem também admiro, como escritora e como pessoa. Abraço, Mayrant.

Bípede Falante disse...

Vivaaaaaaaaaaaaaaaa! :)
Nossa, quanta emoção ter, ser um post seu.
Estou super emocionada!
Obrigada, Mayrant.
Beijossssssssss

Helena

Bípede Falante disse...

Estava relendo a resenha.
Você escreve tão bem, Mayrant.
Tou com saudades de ler os húngaros.
E com saudades de ler o Henry James. A Fera na Selva é um dos meus livros favoritos.
Ando meio sem tempo porque estou preparando uma exposição de quadros para setembro. Mas assim que tudo estiver encaminhado, quero escrever sobre o seu livro. O seu livro que conversa com o meu como um húngaro conversa com outro rsrsrs

beijosss e novamente obrigada!