"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CINECONHECIMENTO, 5: O VAZIO

"A gente está sempre desprotegido, contra tudo. Qualquer imbecil pode te estragar o dia, o mês, o ano, a vida. Uma notícia de jornal, um automóvel, micróbio, uma casca de banana podem mudar o quadro de sua vida ou acabar com tudo. Um sujeito mais forte que você pode te bater e te humilhar, a qualquer instante. Um louco qualquer pode te dar um tiro, agora, assim, bum!, e acabou. Você nunca consegue dispor de sua própria vida, ser o elemento decisivo dela. No fundo, nós estamos sempre fazendo o que os outros querem. Você tem que trabalhar, tem que estudar, tem que pagar impostos, ter documentos, tem que ir pra guerra e tem que ter dinheiro, roupa, casa, família."

Diz Paulo José para Anecy Rocha, no leito de amor, em As amorosas (1968), de Walter Hugo Khouri, que sofreu com o descaso e a perseguição dos adeptos do Cinema Novo, por fazer cinema psicológico num país e época em que quase toda a arte era de natureza sociopolítica e, consequentemente, datada.

Os patrulheiros cinema-novistas não o deixavam em paz, por constituir uma voz dissidente e única, cujos filmes escolhiam o indivíduo em detrimento do contexto e do tempo, enfatizando seu estado de ânimo. As angulações são subjetivas, silêncios contrastam com uma trilha sonora abstrata e nervosa, metáforas surgem espontaneamente, ideias entram em choque, a nudez é sempre poética e metonímica, e os pensamentos íntimos dos personagens emergem na tela sem a mediação de qualquer palavra. Noite vazia (1964) e Corpo ardente (1966) formam com As amorosas uma espécie de trilogia do desespero e do vazio.

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