"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

VÁ E VEJA, 11: UM LUGAR AO SOL

Raros são os filmes que serão revistos, e ainda mais raros aqueles que, aconteça o que acontecer, serão sempre relembrados. Entre aqueles que jamais esqueci está Um lugar ao sol, de George Stevens, recém-lançado no Brasil em DVD. Baseado no romance Uma tragédia americana, de Theodore Dreiser, com duas ou três edições apenas em português, esta produção de 1951 constitui uma obra-prima da arte de narrar através de imagens. Se o assunto do filme já encerra por si só uma atração para o espectador (a ascensão de um jovem pobre na empresa de seu tio milionário, trama que a Globo "plagiou" em sua primeira versão de Selva de Pedra), mais sedutoras são as imagens que articulam, harmoniosamente, seu entrecho. Entre quatro ou cinco sequências magistrais, duas se destacam e tornaram-se para mim, por anos a fio, inesquecíveis.

1) O momento em que George e Angela se conhecem. Ele está sozinho jogando sinuca no palácio de seu tio, pois sente-se deslocado na festa e não conhece quase ninguém. Angela passa diante da porta e o surpreende a fazer uma jogada de efeito, digna de um mestre do bilhar:
"Uau!", ela exclama.
E depois o cumprimenta:
"Olá".
"Olá', ele responde.
"Vejo que desperdiçou sua juventude", ela ironiza com o fato dele ser um jogador exímio.
"Sim", ele concorda, fascinado com a beleza da garota.
"Por que está sozinho? Está sendo exclusivo?", ela brinca, dando volta à mesa, em direção a George.
Ele não diz nada.
"Sendo dramático?"
George continua sem responder, e a admirá-la.
"Sendo triste?", ela atinge o ápice de seu jogo de sedução.
Por fim ele responde:
"Só estou me divertindo. Quer jogar?"
"Não, só vou observar. Continue."
Daí por diante ele jogará com a vida, e ela praticamente só o observará, meio incrédula e extática, até o instante da segunda sequência que considero genial.

2) George está preso, populares querem linchá-lo. A cena corta para a casa de Angela, que está reclinada no sofá, olhando pela janela as árvores do jardim agitadas pela ventania. Sua mãe termina de ler no jornal a notícia sobre o crime de George e o joga na lareira; simbolicamente condena-o. Do fogo a imagem vai para Angela. E ela, o fogo e o vento tornam-se uma coisa só, em ebulição. Angela olha o jornal queimando, e das cinzas a câmera passeia pela sala, que já não é aquela, mas a futura, sem Angela, sem móveis, só jornais espalhados, símbolos da mudança que sua família foi obrigada a promover, por força das circunstâncias. Um sutil corte temporal que decide do lado de quem Angela vai ficar: da vida, em detrimento do amor.

O resto, ou o todo, confiram vocês mesmos, pois este é um dos mais bonitos e bem-feitos filmes de Hollywood. Bons tempos em que o dinheiro ainda era empregado em favor da arte e do bom gosto.

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