"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sábado, 6 de novembro de 2010

LEITURAS, 3: BERNHARD SCHLINK

O limite do mistério familiar ou é a ignorância ou o silêncio. Tal dilema enche de dúvidas e de inadaptação a vida do jovem protagonista da bela novelinha A menina com a lagartixa, de Bernhard Schlink, autor do célebre O leitor (curiosamente este livro, lançado no Brasil pela Nova Fronteira, em cuidadosa edição no final da década de 1990, não teve eco, e seria preciso que a Record o relançasse no vácuo do filme norte-americano, para que o livro pudesse ser apreciado por uma camada maior de leitores, e os demais livros do autor chegassem aqui). Com A menina com a lagartixa não há esta facilidade proporcionada pelo cinema: ou os leitores arriscam, como fiz com a primeira edição de O leitor, que li e indiquei para muitos amigos, apesar de que bem poucos o leram naquela ocasião, ou simplesmente seguem alheios a um excelente texto, que vejo como uma metáfora do próprio mistério da existência. Um garoto passa a infância a admirar um quadro de seu pai: A menina com a lagartixa. Nada lhe é dito a respeito do quadro, que, no entanto, é comprovadamente a única fortuna da família, protegido de tudo e de todos por seu pai. Este morre repentinamente, quando o protagonista, já adulto, está fora, na universidade, e sua mãe se recusa a ficar com o quadro. O rapaz o leva para seu quarto de pensão, como um troféu e um bem familiar, e tudo faz para saber que obra é aquela, quem a pintou e por quê, e em que circunstâncias: o contexto artístico e político que a gerou. Suas pesquisas revelam que na base do quadro está a Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, o Nazismo. A ferida. Talvez por isso seu pai se calou. Ou talvez por outra coisa, mais sutil e terrível. Qual o segredo? Límpido, exato, poético e simbólico, este relato é a um só tempo expurgo e alívio. Ao fim, o protagonista como que se descarta de uma camisa suada e veste outra limpa, para o resto de seus dias.

Um comentário:

Senhorita B. disse...

Mayrant,
Por conta da sua indicação, comprei este livro e gostei muito.
Abraços,
Renata