Nesta madrugada, acordei e, depois de beber um longo copo d'água, decidi começar a leitura de Última noite e outros contos, do excelente escritor norte-americano James Salter, autor do excepcional Um esporte e um passatempo. Raramente começo a leitura de um volume de contos pelo primeiro conto; prefiro consultar o sumário e escolher a esmo um relato. Não foi o que ocorreu desta vez. Fui direto ao primeiro conto, talvez atraído pelo estranho título: Akhnilo. Impressionista, lírico, misterioso, como boa parte da obra do autor, a história narra os momentos que se seguem a uma noite de verão em que o protagonista acorda com um barulho, que a princípio não consegue identificar. Decidido a averiguar o que estava acontecendo, o personagem desce pelo telhado da casa e vai à procura do som. E é então que sua vida se transforma, ao compreender que ouvira quatro palavras, das quais só uma lhe restava depois de alguns instantes e que, ao voltar, inquirido pela esposa sobre o que acontecera, ele também esqueceu. Com a presença da filha, que despertara com a movimentação dos pais, o relato se soluciona, assim, enigmático: "e para Dena recomeçou uma época que ela lembrava dos primeiros anos de escola, quando a tristeza tomava conta da casa e as portas batiam com força e o pai, cheio de afeição desajeitada, entrava no quarto das filhas para contar histórias de ninar e acabava adormecendo ao pé da cama dela". Cinco minutos depois de ler este conto, enquanto ainda o digeria, em sua beleza e evidente ciframento, ouvi um barulho proveniente da sala e fui averiguar. Não era nada, nem ninguém. Talvez só uma coincidência de verão. Ou, como afirma o narrador de Salter: "Tinha a sensação de ser o único ouvinte de um mar de gritos sem fim".
"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
COINCIDÊNCIA DE VERÃO
Nesta madrugada, acordei e, depois de beber um longo copo d'água, decidi começar a leitura de Última noite e outros contos, do excelente escritor norte-americano James Salter, autor do excepcional Um esporte e um passatempo. Raramente começo a leitura de um volume de contos pelo primeiro conto; prefiro consultar o sumário e escolher a esmo um relato. Não foi o que ocorreu desta vez. Fui direto ao primeiro conto, talvez atraído pelo estranho título: Akhnilo. Impressionista, lírico, misterioso, como boa parte da obra do autor, a história narra os momentos que se seguem a uma noite de verão em que o protagonista acorda com um barulho, que a princípio não consegue identificar. Decidido a averiguar o que estava acontecendo, o personagem desce pelo telhado da casa e vai à procura do som. E é então que sua vida se transforma, ao compreender que ouvira quatro palavras, das quais só uma lhe restava depois de alguns instantes e que, ao voltar, inquirido pela esposa sobre o que acontecera, ele também esqueceu. Com a presença da filha, que despertara com a movimentação dos pais, o relato se soluciona, assim, enigmático: "e para Dena recomeçou uma época que ela lembrava dos primeiros anos de escola, quando a tristeza tomava conta da casa e as portas batiam com força e o pai, cheio de afeição desajeitada, entrava no quarto das filhas para contar histórias de ninar e acabava adormecendo ao pé da cama dela". Cinco minutos depois de ler este conto, enquanto ainda o digeria, em sua beleza e evidente ciframento, ouvi um barulho proveniente da sala e fui averiguar. Não era nada, nem ninguém. Talvez só uma coincidência de verão. Ou, como afirma o narrador de Salter: "Tinha a sensação de ser o único ouvinte de um mar de gritos sem fim".
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7 comentários:
Mayrant, amei este post.Lamento todos os dias não ter alcançado sua fase UEFS , mas me contento em ter lhe conhecido ( e ainda tirado uma foto com você ) no I Encontro Literário, e de ser aluna ( agora ) de Andréia.
A sua excelente descrição do conto me deixou curiosa e motivada para ler o livro.
A cada post seu eu vou entendendo o porque do título do seu blogger.
Obrigado, Juliana! Me sinto lisonjeado com seu comentário.
Um livro bastante irregular, na minha modesta opinião.
Mayrant: postei outra vez o miniconto de Hemingway, lembrando da nossa conversa.
Lamento discordar, Gerana, mas "A última noite e outros contos" é excepcional. Li quase 70% dos contos, e são todos de excelente nível, embora sutis, minimalistas, para poucos leitores. Não é por acaso que James Salter é um autor cultuado por escritores. Ele forma com Cheever e Carver uma espécie de trindade pós-Hemingway. Uma experiência única.
A opinião está restrita aos contos de Última Noite e, mesmo assim, quanto à irregularidade, nada mais.
Posso não pertencer aos "poucos leitores", mas como leitorazinha por décadas a fio, senti bastante a irregularidade dos contos guardados no volume.
Cheever é uma das minhas paixões (a trilogia dos Wapshot). Carver é para se tirar o chapéu.
Nada contra Salter, repito, tão somente quanto aos contos escolhidos que, juntos num mesmo volume, passaram certa falta de "organicidade".
Coloquei (já havia estado em postagem anterior) o miniconto de Hemingway para você. Gostaria de conhecer os seus.
Ora, Gerana, o livro de Salter é uma antologia de dois livros anteriores. Portanto, não poderia haver nenhuma espécie de, como você disse, "organicidade". Mas é assim mesmo, Salter não é para agradar. Como Resnais ou Godard, no cinema, é um mestre que ou amamos ou odiamos. Meu livro de minicontos está chegando, provavelmente em março.
Mas ele me agrada e muito. Agradar no sentido de se admirar a arte que ele coloca nos contos. Repito, nada contra a literatura dele. Peguei meu volume de Última Noite e, como cheguei a contar na nossa conversa, eu não escrevo nos livros, apenas dobro a pontinha do que me entusiasmou muito e encontrei dois contos, "Meu Senhor, Vós" e "Última Noite" que, pela dobra que fiz, considerei excepcionais (na minha humilde opinião de amante da literatura).
Você tem razão, o volume é fruto de outras coletâneas (está escrito nas "orelhas"), daí a irregularidade. Eu não lembrava disso, ficou apenas a sensação da totalidade do volume.
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