"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
COINCIDÊNCIA DE VERÃO
Nesta madrugada, acordei e, depois de beber um longo copo d'água, decidi começar a leitura de Última noite e outros contos, do excelente escritor norte-americano James Salter, autor do excepcional Um esporte e um passatempo. Raramente começo a leitura de um volume de contos pelo primeiro conto; prefiro consultar o sumário e escolher a esmo um relato. Não foi o que ocorreu desta vez. Fui direto ao primeiro conto, talvez atraído pelo estranho título: Akhnilo. Impressionista, lírico, misterioso, como boa parte da obra do autor, a história narra os momentos que se seguem a uma noite de verão em que o protagonista acorda com um barulho, que a princípio não consegue identificar. Decidido a averiguar o que estava acontecendo, o personagem desce pelo telhado da casa e vai à procura do som. E é então que sua vida se transforma, ao compreender que ouvira quatro palavras, das quais só uma lhe restava depois de alguns instantes e que, ao voltar, inquirido pela esposa sobre o que acontecera, ele também esqueceu. Com a presença da filha, que despertara com a movimentação dos pais, o relato se soluciona, assim, enigmático: "e para Dena recomeçou uma época que ela lembrava dos primeiros anos de escola, quando a tristeza tomava conta da casa e as portas batiam com força e o pai, cheio de afeição desajeitada, entrava no quarto das filhas para contar histórias de ninar e acabava adormecendo ao pé da cama dela". Cinco minutos depois de ler este conto, enquanto ainda o digeria, em sua beleza e evidente ciframento, ouvi um barulho proveniente da sala e fui averiguar. Não era nada, nem ninguém. Talvez só uma coincidência de verão. Ou, como afirma o narrador de Salter: "Tinha a sensação de ser o único ouvinte de um mar de gritos sem fim".
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7 comentários:
Mayrant, amei este post.Lamento todos os dias não ter alcançado sua fase UEFS , mas me contento em ter lhe conhecido ( e ainda tirado uma foto com você ) no I Encontro Literário, e de ser aluna ( agora ) de Andréia.
A sua excelente descrição do conto me deixou curiosa e motivada para ler o livro.
A cada post seu eu vou entendendo o porque do título do seu blogger.
Obrigado, Juliana! Me sinto lisonjeado com seu comentário.
Um livro bastante irregular, na minha modesta opinião.
Mayrant: postei outra vez o miniconto de Hemingway, lembrando da nossa conversa.
Lamento discordar, Gerana, mas "A última noite e outros contos" é excepcional. Li quase 70% dos contos, e são todos de excelente nível, embora sutis, minimalistas, para poucos leitores. Não é por acaso que James Salter é um autor cultuado por escritores. Ele forma com Cheever e Carver uma espécie de trindade pós-Hemingway. Uma experiência única.
A opinião está restrita aos contos de Última Noite e, mesmo assim, quanto à irregularidade, nada mais.
Posso não pertencer aos "poucos leitores", mas como leitorazinha por décadas a fio, senti bastante a irregularidade dos contos guardados no volume.
Cheever é uma das minhas paixões (a trilogia dos Wapshot). Carver é para se tirar o chapéu.
Nada contra Salter, repito, tão somente quanto aos contos escolhidos que, juntos num mesmo volume, passaram certa falta de "organicidade".
Coloquei (já havia estado em postagem anterior) o miniconto de Hemingway para você. Gostaria de conhecer os seus.
Ora, Gerana, o livro de Salter é uma antologia de dois livros anteriores. Portanto, não poderia haver nenhuma espécie de, como você disse, "organicidade". Mas é assim mesmo, Salter não é para agradar. Como Resnais ou Godard, no cinema, é um mestre que ou amamos ou odiamos. Meu livro de minicontos está chegando, provavelmente em março.
Mas ele me agrada e muito. Agradar no sentido de se admirar a arte que ele coloca nos contos. Repito, nada contra a literatura dele. Peguei meu volume de Última Noite e, como cheguei a contar na nossa conversa, eu não escrevo nos livros, apenas dobro a pontinha do que me entusiasmou muito e encontrei dois contos, "Meu Senhor, Vós" e "Última Noite" que, pela dobra que fiz, considerei excepcionais (na minha humilde opinião de amante da literatura).
Você tem razão, o volume é fruto de outras coletâneas (está escrito nas "orelhas"), daí a irregularidade. Eu não lembrava disso, ficou apenas a sensação da totalidade do volume.
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