Edição de bolso, da Objetiva, 2011. |
Luís Fernando Veríssimo não é nem de longe um dos autores de minha predileção. Na verdade, só tinha boas lembranças de dois de seus livros: o volume que reúne todas as aventuras do Analista de Bagé e o que concentra as pretensas narrativas policiais do improvável detetive Ed Mort. Em ambos, o forte é o humor, sabemos; e sabemos também que no Brasil a literatura satírica tem existência árdua e é logo esquecida, salvo Machado de Assis.
Recentemente, porém, tive em mãos a novelinha Os espiões, cuja leitura me entusiasmou. É evidente ainda, a cada página, o humor inerente a quase todas as obras do autor, mas não é só isso. Numa paródia muito bem pensada dos romances de espionagem, à moda de Fleming, Greene e Le Carré, Veríssimo cria uma trama quixotesca que mistura mercado editorial, o editor mal intencionado, a condição sempre precária do escritor brasileiro, uma despretensiosa reflexão sobre o papel da literatura na vida tanto dos autores quanto dos leitores e, de quebra, retoca, com tintas nostálgicas, o retrato das pequenas cidades brasileiras nascidas em volta de uma feira, uma praça ou uma grande empresa, que se estabelece e se torna o motor da economia do lugar.
A trama tem início quando um editor assistente recebe um manuscrito incompleto, com o primeiro capítulo da história de Ariadne, personagem e autora, que pretende, ao terminar a obra, se matar. Mais interessado na autora que propriamente na obra, embora reconheça suas supostas qualidades literárias, o sujeito tudo faz para resgatá-la das garras do marido, o principal suspeito de sua angústia que culminará com o suicídio. E, assim, arquiteta o envio de espiões à cidade de Ariadne. Incógnitos e disfarçados, eles farão de tudo para se aproximar da vítima.
Em meio aos percalços que seus espiões enfrentam, o narrador expõe sua verve satírica e faz críticas mordazes a editores, autores e leitores, não poupando ninguém de seu ceticismo em relação ao futuro da literatura e do livro. Numa de suas reflexões mais felizes e ácidas, ele decreta: "O professor Fortuna diz que em vez de endeusar escritores deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco".
De alcance imprevisto e conteúdo inesperado, esta novelinha de Veríssimo é a prova verificável de que a liberdade de criação é, ainda, a melhor conselheira do autor, pretenda ele conceber uma obra-prima ou tão somente um elegante exercício de ironia. Acho que em certo sentido Os espiões foi bem-sucedido nos dois propósitos.
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