"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 16 de março de 2014

LEITURAS, 45: NOTURNO INDIANO

Edição de 2012, da Cosac Naify.
Um dos melhores relatos modernos de busca a uma pessoa desaparecida, e sem que o tom seja de investigação policial, é a novela Notturno indiano (1984), do italiano Antonio Tabucchi, e cuja tradução foi publicada no Brasil em 1991, pela Rocco, com o mesmo título. Durante a trama uma diferença se cristaliza, em ausência, por interpretação: há os desaparecimentos espontâneos, e os oriundos de ações criminosas, como sequestro ou assassinato. Os primeiros são de natureza existencial e envolve uma tomada de consciência que conduz a uma decisão radical de mudar de vida, talvez até de personalidade. Os segundos, por sua vez, têm motivação monetária ou passional, e levam ao crime, consequentemente a uma investigação, que os esclareça.

Na novela de Tabucchi, aos poucos compreendemos tal diferença e começamos, como leitores atentos, a nos perguntar aonde a trama vai nos conduzir. O narrador, anônimo, está em busca de Xavier, um antigo companheiro que se perdeu na Índia. Para aquele país ele se desloca e, num hotel barato, referência de uma viagem anterior, começa a sua aventura, que, a rigor, não tem fim, porque, por mais que ele siga algumas pistas e se aproxime de chegar a encontrar Xavier, este se esquiva, lhe escapa.  

Uma praia, outro hotel, uma estação de trem, um novo hotel, uma sociedade de teosofia, um ônibus no meio do nada, um arcebispado, mais um hotel, outra praia, mais dois hotéis e, afinal, uma mulher. São estes os lugares percorridos pelo narrador e nos quais Xavier é só referido, como uma pálida e inexpressiva figura. É então que intuímos ser ambos a mesma pessoa, e que a viagem não é senão uma jornada existencial, rumo ao eu do narrador, ao seu "mesmo" e seu "outro". Uma das grandes pistas para o deciframento deste pequeno relato, que é uma metáfora em si, talvez uma alegoria de nossa busca insensata pelo sentido da vida, está neste breve diálogo do narrador com a mulher, no último capítulo: 

ELE: "Pensei que uma pessoa como você achasse que na vida é preciso ver o mais possível".
ELA: "Não, é preciso ver o menos possível".

Dos lábios da mulher, ser oposto e complementar ao do narrador, vem a sabedoria, bem como a consciência, o sentido de que o "mais" é inútil, e o ideal é o que se é. Não é por humildade, nem por indulgência, que o  narrador, depois de dito isso, vai confessar que a sua busca não é senão o percurso de um livro, este que lemos. Simplesmente ele foi aparado de suas arestas. Mas fica o seu relato. E também a resposta a uma pergunta que não foi feita: do que se faz um livro? De nada e de tudo. Todo assunto é válido, se é literatura, e, mesmo que não haja assunto, um livro é possível.

Mas esta é a minha leitura, ou melhor, releitura. Faça a sua ou, se preferir, não leia o livro. Talvez seja preciso ler o menos possível.

Um comentário:

Ianice disse...

Agora aguçou a minha curiosidade!! Vou procurar esse livro. Preciso lê-lo. Obrigada pela dica, Mano, um beijo!!