"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

OS GOLFINHOS SÃO MAIS GENTIS

Em Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata (1899-1972), há uma cena que sintetiza muito bem a arte do autor, que é ao mesmo tempo sutil, simples, simbólica e refinada. Oki, escritor de 55 anos, passeia com a jovem Keiko, pupila de uma ex-namorada que ele reencontrou em Kyoto. Ele compra pedaços de peixe e de polvo, e vão os dois alimentar os golfinhos. Estes pulavam e arrebatavam das mãos de Keiko as iscas. Em meio à diversão, começa a chover, e eles tomam um táxi. Oki diz então:

"Alguns cardumes de golfinhos às vezes passam por aqui, do outro lado da baía, um pouco além de Ito. Parece que eles são pescados perto da praia; os homens tiram as roupas, entram na água e os capturam com as próprias mãos. Os golfinhos não resistem quando se fazem cócegas debaixo de suas barbatanas."
"Coitados..."
"Eu me pergunto se uma moça bonita resistiria."
"Que ideia repugnante! Pois bem, imagino que ela iria lufar, unhar e arranhar!"
"Provavelmente os golfinhos são mais gentis..."

Aí está, sem explicações, nem conclusões. Para o deleite e o proveito do leitor atento e competente.
Prêmio Nobel de Literatura de 1968, Yasunari Kawabata é seguramente um mestre da literatura japonesa do século XX. Atribui-se a ele, inclusive, a modernização da prosa de seu país, com a publicação de A dançarina de Izu, em 1926. Autor de vários romances e contos, sua obra está sendo pouco a pouco editada no Brasil pela editora paulista Estação Liberdade, que já publicou: A dançarina de Izu, Kyoto, O país das neves, Contos da palma da mão, A casa das belas-adormecidas (que inspirou Gabriel García Márquez a escrever Memória de minhas putas tristes) e Mil tsurus. Kawabata se matou em 1972. A tradução do excerto acima é de Alberto Alexandre Martins, da edição da Globo, de 1988.

3 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Sou fã de Kawabata, li tudo e cheguei a resenhar Beleza e Tristeza quando assinava a coluna Olho Crítico na Tribuna. É estarrecedora a capacidade dele no que tange ao sublime e ao grotesco convivendo em , se possível for, harmonia numa mesma história.
Meu preferido: Kyoto.
O de Aramis: A casa das belas adormecidas.

Georgio Rios disse...

primoroso exerto!!Um convite a olhos e mente atentos!!!

Sérgio Araújo disse...

Olá Mayrant,

Que prazer senti em ler seu blog. Gostei muito e já estou marcando aqui a minha presença.
Te achei através do nosso amigo comum, o Alaor Inácio e estarei sempre por aqui desfrutando da leitura que compartilhas neste espaço da web.

Abraço.