"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O FAROL

Um escritor só é representativo pelo que ele escreve, pela qualidade estética de sua obra, sua capacidade de conferir elevação ao mais baixo dos assuntos. Kafka, quando transforma um homem num inseto a enojar sua família; Camus, quando transforma alguém que não é estrangeiro num sujeito psicologicamente estrangeiro e permite que a sociedade o julgue como tal e o condene; João Antônio quando transforma a visita de um rapaz a um antigo amigo numa compreensão mais profunda da existência, do que somos. Um escritor jamais é representativo por estar mais ou menos visível, transitando pela mídia, viajando de um canto a outro do mundo ou fazendo-se de lobby pelos subterrâneos da Academia. Isso não é literatura; é política literária. Mas se tal escritor cumpre esse papel, mais político, e ainda reúne aquela primeira qualidade, ele também é representativo, ou até mais, se as suas ações aliterárias não se restringem a si mesmo; se elas são como trilhas de orientação para os que o admiram ou o seguem.

Pintura: Lighthouse hill (1927), óleo sobre tela, de Edward Hopper (1882-1967), pintor norte-americano.

6 comentários:

Sérgio Araújo disse...

Caro Mayrant,

Eu também penso sobre o que representaria essa "qualidade estética" a que você se refere e como ela pode ser manipulada e achar quem a veja onde não está. Entendo o que quer dizer e concordo no que se refere aos autores citados e que conheço, mas fico me perguntando se é possível reconhecer no tempo presente, um escritor representativo se, do alto da nossa torre de observação, às vezes formada por preferências pessoais de certo modo fetichizadas pelas escolhas massivas da sociedade;ou correntes estéticas assumidas de forma sectária,ou mesmo moldes acadêmicos e "gramáticas estéticas" e outras tantas formas de incluir e excluir. Quem poderá conferir esta representatividade a quem não se insinua através dos caminhos possíveis a poucos, não pelo valor da obra em si e para os outros, mas pelo poder de transitar por esses caminhos com o passe livre que a proximidade com os poderes de fato e de direito pode lhe trazer.
O crítico competente não atinge o público sem estar na mídia. E, se lá estiver, a sua opinião pode findar comprometida com certas diretrizes subliminares, quando não claramente controladoras, que terminam por interferir na opinião expressa.
Creio ser necessário reforçar formas públicas, livres e de grande penetração para formar "espaços cênicos", visibilidade, através da "nuvem" (termo que ultimamente vem se associando a internet).
Eu disse recentemente que, a melhor maneira de escrever um livro é publicar num blogue. Não sei se alguém já o disse mas, em todo caso, acho que é uma verdade porque abre espaços e impõe certa disciplina e rigor ao fazer literário.

Um abraço e uma boa semana pra você.

Lidi disse...

Mais uma aula. Sem comentários...
Parabéns, Mayrant. Abraço.

Anônimo disse...

Não sou um crítico, e muito provavelmente não serei um. Todavia, como aprendi, não nas suas aulas, mas nas nossas conversas pontuadas pelo descompromsso, valor se reconhece, gosto se cultiva. E sigamos na justeza de ambos, sem literatice. Aquele abraço.

Gerana Damulakis disse...

É isso mesmo.

Bípede Falante disse...

Cada vez gosto mais de te ler.

Silvestre Gavinha disse...

O grande problema, penso, talvez seja o excesso da aparência, em detrimento das outras qualidades, que a nossa "sociedade do espetáculo" imputa e impõe. Ou não?
Gostei do teu texto e do comentário que diz que dizes que valor se reconhece, gosto se cultiva.
Venho aqui sem dúvida com muito gosto, a cultivá-lo e a aprender a reconhecer o valor a quem devido.
Abraço Mayrant
Marie