"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 29 de março de 2009

LESTE EUROPEU, 1

Fotografia de Evgen Bavcar.

AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


TUDO

Tudo –
palavra atrevida e enfunada de soberba.
Deveria escrever-se entre aspas.
Aparenta nada omitir,
tudo reunir, abarcar, conter e ter.
Porém, não é mais
do que um farrapo do caos.


DAS RECORDAÇÕES

Estávamos à conversa
e de repente calámo-nos.
No terraço apareceu uma rapariga,
ai que bonita,
demasiado bonita
para a nossa estada aqui, tão sossegada.

A Bárbara, alarmada, olhou de relance para o marido.
A Krystyna, instintivamente, pousou sua mão
sobre a do Zbyszek.
E eu pensei ligar e dizer-te:
por enquanto não venhas,
prevêem chuva para os próximos dias.

Somente a Agnieszka, viúva,
saudou a bonita rapariga com um sorriso.


WISLAWA SZYMBORSKA (1923). Poetisa polonesa, Prêmio Nobel de 1996. Traduzidos por Elzbieta Milewska e Sérgio Neves, os poemas acima integram o volume Instante (Chwila): Lisboa: Relógio D´Água, 2006.

3 comentários:

M. disse...

Lindos, maravilhosos, perfeitos, os poemas.

Georgio Rios disse...

Faço coro as palavras de Mônica.

Emmanuel Mirdad disse...

"
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.
Tudo (...) não é mais do que um farrapo do caos.
"

Basta.