"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 27 de março de 2015

O ADEUS DE HÉLIO PÓLVORA

Pólvora, por Ramon Muniz.
Vejam como são as coisas neste novo Brasil que o Partido dos Trapaceiros e o lulismo inauguraram: há alguns meses, a presidente da república veio a público reclamar da execução, na Indonésia, de um brasileiro ligado às drogas e traficante internacional. Causou, obviamente, um estremecimento diplomático entre as duas nações, ao passo que sugeria desconhecer ou pelo menos ignorar que, diariamente, brasileiros inocentes e outros nem tanto são sumariamente executados pelo efeito direto das drogas ou de suas ramificações econômicas e sociais.
 
Ontem, faleceu e foi cremado Hélio Pólvora, um dos grandes escritores brasileiros nascidos na Bahia, e à solenidade não compareceu nenhum veículo da imprensa, nem os grandes (A Tarde, Correio da Bahia, TV Bahia, TV Bandeirantes, SBT, Record) nem os nanicos (Tribuna da Bahia, TV Educativa e as rádios em geral). Igualmente, o governo do estado e a prefeitura de Salvador não mandaram nenhum representante.
 
Claro que isso já era esperado, afinal de contas o governador, que não tem vergonha de dizer em público que colocou 66 milhões de reais no carnaval de Salvador, enquanto a saúde, a educação e a segurança, para citar o mínimo, penam por recursos e reformas, não faz, de fato, o gênero de alguém que conhece e usufrui das artes mais refinadas, como a literatura. Nestas três gestões do partido acima mencionado, os secretários de cultura são o exemplo perfeito de uma política que pretende que todos pulem e dancem até a loucura total, sufocando assim qualquer sentimento mais salutar e embotando o intelecto, como se drogas o minassem. Os últimos secretários estaduais de cultura, que podemos definir com uma tríade de personagens dos quadrinhos infantis, Brasinha, Gasparzinho e Patolino, são os representantes de uma política que almeja, a médio prazo, reduzir as artes aos seus tipos mais elementares: o artesanato, a arte popular e a arte de rua. Bastante conveniente, por sinal. Ao menos eles são sinceros: desprezam publicamente o que repudiam. Deveriam ser mais autênticos e repudiar publicamente o que desprezam.
 
Quanto à ausência da imprensa, ora, ela só pensa em e por multidões. Quando o "grande" artista da axé-music ou do pagode ou do arrocha morrer, ela estará presente, com toda a sua circunstância e suas perguntas-feitas, mais clichês que carimbos de cartório.
 
Ao adeus de Hélio Pólvora, no cemitério Jardim da Saudade, em Brotas, compareceram somente os parentes, os amigos, os confrades da Academia de Letras da Bahia, escritores e professores do Instituto de Letras da UFBA. O escritor e presidente da ALB, Aramis Ribeiro Costa, resumiu em seu excelente discurso quem foi Hélio Pólvora: contista exemplar, romancista, crítico literário, cronista, grande tradutor de William Faulkner, jornalista atuante até o momento final e, em resumo, um incansável trabalhador das letras e das palavras. A Bahia, especialmente a atual, com seus governantes medíocres e sua gente quase iletrada, não o merece. Como não mereceu a outros seletos escritores: Gregório de Matos, Castro Alves, Junqueira Freire, Luís Gama, Sosígenes Costa, Xavier Marques, Jorge Amado, Dias da Costa, Wilson Lins, Vasconcelos Maia, Euclides Neto, Afonso Manta, Adonias Filho, Herberto Sales, Godofredo Filho, Eurico Alves, Sônia Coutinho e João Ubaldo Ribeiro.
 
Devo ter esquecido algum nome importante... Mas esquecer ou ignorar, sabemos agora, é politicamente perdoável.

Um comentário:

Gustavo Rios disse...

O Estado, que nunca foi laico, por conveniência, mostra que sempre foi leigo.