"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

POEMA DE NATAL

Foto: A. Café-Gallo.
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje à noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

VINÍCIUS DE MORAES (1913-1980). Poeta cujo centenário comemorou-se este ano e um dos mais originais de língua portuguesa. Profundo, lírico, grave. Infelizmente, a propensão à música, criando melodias e letras hoje gravadas no imaginário dos brasileiros, ofuscou a sua poesia. 

5 comentários:

Ilana disse...

Feliz Natal tio! Saúde sempre! O resto corremos atrás! Beijos pra vc, Déa e Bel!

Carlos Vilarinho disse...

Aê, feliz natal (quase todo o tempo o ser humano é patético... sofremos juntos, então)

Ianice disse...

Espero que vocês tenham passado um Natal tranquilo e, se não alegre, cheio de paz!! Maninho, obrigada pelo poema de Vinicius!! Não o conhecia, belo e pungente!! Beijos para todos!! Tenha um 2014 pleno de realizações!!

La Belly de Jour disse...

Lindo poema Mayrant!"Grave e simples". Grata em compartilhá-lo conosco. A poesia sempre revelando a vida!...aprendemos com ela a importância de...o "falar baixo", o "pisar leve", o "ver a noite dormir em silêncio". Como o próprio poema diz, e aqui eu reedito: "não há muito o que dizer..." no entanto ,não é redundante saber/querer que os nossos corações se deixem assumir a vida e a poesia de forma "grave e simples" para assim podermos ver a face da morte; e, só assim, aprendermos que "da morte, apenas nascemos, imensamente".
Manuel de Barros também nos apresenta neste fragmento a profunda intimidade entre o nascimento e a morte, entre a poesia e a vida: " E aquele que não morou nunca em seus próprios abismos/ nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas/não foi marcado./ não será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema."

Parabéns Mayrant,pelo seu blog, pelo seu trabalho como escritor; é uma importante oportunidade de divulgação da literatura de qualidade, da leitura, da troca produtiva de opiniões! Bjão para vc e Andreia, saúde, mts alegrias, e a vivências de significativos nascimentos/mortes neste ano que se inicia; com carinho, Débora

Deni disse...

Gallinho, querido!! Lindo poema! Ainda bem que não o li na noite de Natal - eu teria comido aquele enorme panetone inteirinho, com vinho tinto, é claro... Beijos pra vocês, que estão entre os meus grandes amores!
Deni