"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 25 de abril de 2013

MAIGRET E O SILÊNCIO DO POETA

Porto Alegre: L&PM, 2010.
Quando soube da morte do poeta Alexandre Coutinho, eu estava lendo Maigret e o matador (1969), de Simenon. Foi o sexto romance com o célebre comissário que li só este mês. No momento, estou na metade do nono: Os escrúpulos de Maigret (1958). Por coincidência, o tema daquele livro é o assassinato de um jovem estudante de Letras, que tinha o hábito de sair, nas noites de Paris, gravando as conversas das pessoas que encontrava, como um "fotógrafo" do som, das palavras. Bares, restaurantes, boates, estações, cafés, praças e bistrôs, nenhum lugar público escapava à sua pesquisa in loco. Mas vejamos no que consiste a coincidência. Ora, se o personagem de Simenon procurava registrar a vida em seu gravador portátil, o poeta Alexandre Coutinho o fazia através de seus poemas... Há ainda a certeza de que ambos não se achavam confortáveis no mundo, como boa parte dos artistas, excetuando-se aqueles que se dedicam ao entretenimento. Eram, por assim dizer, seres inadaptados e talvez por isso fizeram da palavra o seu universo. É o que compete aos poetas: uma vez que a existência não basta, lançam mão das palavras, com o propósito de torná-la mais compreensível e suportável, se não melhor, e não apenas para si mesmos, pois também os leitores e ouvintes acabam por usufruir de suas epopeias verbais e se inquietam. O personagem de Simenon morreu em meio a uma coleta de sonoros "documentos humanos", ao passo que Alexandre Coutinho suprimiu a própria vida por ser ela mesma um documento humano, incorrigível e inadiável. Não foi o melhor poema que escreveu, mas foi o último e o mais grave, aquele pelo qual jamais será esquecido. Como uma inesperada lanterna a iluminar a trilha numa noite de tempestade, ele nos fez entender que, por mais exatas que sejam, as palavras falham, não dizem o suficiente ou tão somente esbarram na indiferença do mundo, e que, diante desta verdade, só resta ao poeta calar-se. Que a terra lhe seja leve!

2 comentários:

Lidi disse...

Mayrant,

estou muito triste com a morte de Alexandre Coutinho. Estive com ele no lançamento da coletânea "Sangue Novo" e na Feira do Livro, aqui em Feira de Santana, quando ele participou de uma atividade da FPC. Gostava dele e de sua poesia.

Camus estava certo quando escreveu que "o suicídio é a grande questão filosófica do nosso tempo". Eu, que vivo com medo da morte, jamais teria a coragem que este ato exige. E é difícil, para mim, compreendê-lo. Mas entendo o sentir-se desajustado, deslocado, inadaptado num mundo que é duro demais para a sensibilidade de um poeta.

Talvez, como você bem escreveu, o "calar-se" tenha sido a forma que AC encontrou para expressar aquilo que não conseguiu com palavras.
Sim, "que a terra lhe seja leve!".

Um forte abraço.

Fabrício de Queiroz disse...

Lidi, isso mesmo. Faz menos de dois meses que dediquei uns versos ao Alexandre (muito querido) para tomar esta notícia agora...

Em seu único livro, "Estudos do Corpo", ele nos faz escutar jazz e nos convida ao suor.

Fiquemos com a imortalidade dos seus ritmos.