O texto abaixo compreende a seção 11 do
conto De ratos e homens,
que está no livro Cidade singular
(Kalango, 2013), a ser lançado em 29 de abril, no restaurante Casa de Teresa, Rio
Vermelho, às 19 horas. Comecei a escrevê-lo em 1995, e a primeira pessoa que o leu
foi Josélia Aguiar, jornalista em São Paulo, e que foi minha colega no marketing do Banco Econômico. Apesar dos elogios que
ela fez, o conto em si jamais me contentou e, ao longo dos anos, o trabalhei
incansavelmente. A última versão é, a rigor, de dezembro de 2011, mas não
hesitei, diante das provas do livro, no mês passado, em muda-lo mais uma vez.
Espero que o leitor o aprecie e, depois, o leia na íntegra. Josélia Aguiar foi
a primeira pessoa que me incentivou a publicar um texto, ao levar meu conto Bicicletas para o extinto caderno A Tarde Cultural, em 1995 ou 1996. E, para a minha surpresa,
num dos eventos literários a que compareci em 2012, um senhor se aproximou de
mim, me cumprimentou e disse que lera meu conto Bicicletas e ainda o mantinha guardado. Este foi um
dos maiores elogios que já recebi.
11
Não
encontrei meu pai nem meus irmãos. Percorri todo o anzol de areia e não os vi.
Também já era tarde, quase meio-dia. Pensei que talvez já tivessem voltado,
estivessem em casa, com minha mãe, prontos para almoçar, e que eu os atrasava.
Mesmo assim, não contive o desejo de me prolongar um pouco mais em meio àqueles
biquínis minúsculos. Perto da Praia Negra, surgiram os primeiros seios nus.
Eram miúdos e belos, de uma tonalidade mais clara e macia, que os evidenciava
já à distância. Causou-me surpresa o fato de que os poucos homens que ali
estavam não os olhassem. Ou não representavam um gosto, um gozo? Para mim, que
pouco os tinha visto, eram frutos do paraíso.
Ao fim
de mais ou menos uma hora, eu tinha sede e, fatigado, com o pensamento meio
turvo de tanto ver seios nus e procurar, sob os finos tecidos úmidos de suor e
sal, uma intimidade, decidi ir embora.
Mal
deixei para trás o Iate Clube e entrei pelo extenso trecho de terra que levava
à nossa casa, ouvi um pesado ruído de motor, que foi crescendo e logo me
ultrapassou. Os dois únicos caminhões do Corpo de Bombeiros do município me
deixaram para trás, sufocado numa nuvem de poeira e incompreensão. Iam sem
sirenes, e isso na hora me intrigou. Depois, em conversa com meu pai, ele
esclareceu que as sirenes são limpa-trilhos, não colônia pós-banho.
Era
impossível seguir os caminhões. Por isso, me contentei em tentar identificar, à
frente deles, o local do incêndio ― se é que era um incêndio. Podia não ser.
Crianças desapareciam em poços inativos, animais eram atropelados, trens
abalroavam carroças ou carros no cruzamento que conduzia ao cemitério. Eram
tragédias comuns, estas. Até então eu convivera com elas naturalmente. Ainda
hoje acontecem, e quase com a mesma frequência dos afogamentos de verão, que
não são poucos. Lus é uma luz que ofusca e nos empurra para a noite.
Só
quando avistei o fio de fumaça no horizonte, foi que me dei conta de que do
fundo de um dos caminhões o bombeiro Isaías me olhara de um jeito estranho,
pesaroso, quase dócil. A fumaça preta subia do conjunto de casas de telhado
simples, brancas, amarelas, verdes ou azuis, a minha no meio. (Cidade singular, p. 117-118)
Publicado originalmente na Verbo 21, em março de 2013.
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