"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

LEITURA DE BOLSO, 2: UM NEGÓCIO FRACASSADO

Trinta e oito contos de Anton Tchékhov (1860-1904) organizados, traduzidos e prefaciados por Maria Aparecida Botelho Pereira Soares, agraciada com a medalha Aleksandr Serguêivitch Púchkin, pelos "grandes serviços prestados à divulgação da língua russa", outorgada pela Associação Internacional de Professores de Língua e Literatura Russas. Trinta e oito contos aparentemente de humor do escritor russo que foi um dia chamado de gênio por outro gigante da literatura russa, Tolstói. "Todos nós somos grandes escritores", disse Tolstói a Górki, "mas ele", e apontou Tchékhov, que passeava sozinho, ao largo, na fazenda de Tolstói, "ele é o maior, é um gênio".

Nestes contos, que em geral não vão além de quatro ou cinco páginas, Tchékhov exercita seu olhar impiedoso e sua pena crítica, fixando-se nos tipos humanos da vida russa, como as governantas, os preceptores, os funcionários públicos do alto e do baixo escalão, os militares, os estudantes, os maridos, as esposas infelizes, as adolescentes sonhadoras. Seu humor, vazado de melancolia, é mais irônico que engraçado, e nas entrelinhas das histórias, completamente banais, vai muito de não-dito, de sugerido, de disfarçado e terrível. Dramas, decepções, loucura, traições, dores, amores frustrados, desprezo pela vida humana, desdém pelos subalternos, autoritarismo e exercício de poder, ambição desmedida e a corrupção do funcionalismo público, covardia e canalhice, tudo através de uma lente opaca e que não aumenta nada, pelo contrário: deixa diminuto mesmo, porque assim é a vida.

Num dos contos, uma mulher revela a um escritor (o próprio Tchékhov talvez), durante uma viagem de trem, o quanto sacrificou de si mesma para melhorar de vida casando-se com um velho rico. Mas os anos passaram, ele morreu, e o que lhe restou foi... casar-se com outro velho rico. Tchékhov encerra a narrativa deste horror sem qualquer comentário, cortando para o cotidiano e a natureza: "O leque, quebrado, cobre o rostinho bonito. O escritor apoia sua cabeça pensativa no punho, suspira e se põe a refletir, com ar de psicólogo e especialista. A locomotiva assobia e solta chiados, as cortinas das janelas ficam avermelhadas ao sol poente".

O preço que se paga por esta "guloseima sagrada" e muitas outras é baixo, e o livro compensa em dobro cada centavo: R$13,00.

4 comentários:

Lidi disse...

Preço baixo mesmo. Vou procurar este livro naquela única livraria de Feira, porque na Estante Virtual eu não achei. Valeu pela dica, Mayrant. Abraço.

Georgio Rios disse...

Uma pedida e tanto. Estou no encalço destes contos desde agora.Caro M , obrigado pela valiosa dica!

Anônimo disse...

Pelo visto Tchékhov está disputadíssimo. E por 13 reais sacrifico as últimas moedas do bolso. Aquele abraço.

Renata Rocha disse...

Tchékhov é realmente fantástico. Faz caber um mundo inteirinho nas quatro ou cinco páginas de cada conto...
Abração!