"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CONTANDO NOS DEDOS OS FILMES BRASILEIROS

Não há nada mais previsível atualmente do que o cinema brasileiro: documentários biográficos, filmes sobre injustiça social, comedinhas românticas com os astros da Globo, a condição do Nordeste, banditismo, a cultura ingênua do campo, biografia de dupla sertaneja, reflexão rasteira sobre as minorias e até ficção barata com o Presidente da República. Tudo isso com muito panfleto, conselhos de almanaque e frases de educação doméstica.

Tentei contar nos dedos os filmes brasileiros atuais que, de fato, apresentam algo novo em assunto (a dor humana mais simples, que é viver) e modo de filmar (através de um ângulo que nos sensibilize sem evidente apelo ao melodramático) e não completei as duas mãos.

Aquele filme que acabamos de ver e já queremos ver de novo, pois, mesmo depois de encerrado, continua a ecoar e a nos desafiar com a sua carga de ambiguidade... Aquele filme que nos transforma sem que o percebamos, pois a suposta transformação compreende apenas um insuspeitável acréscimo à nossa percepção do que seja o indivíduo ou o mundo... Aquele filme cuja intenção é apenas contar uma história com (e pelo) peso de si mesma, sem segundas intenções, notadamente políticas ou sociais... Aquele filme que não se fixa em nenhum tipo específico (o adolescente, a mulher, o negro, o pobre, o nordestino, o homossexual), nem em certas datas da História ou em determinados contextos sociais, e que, no entanto, é o Indivíduo, é a História e o contexto que mais nos interessa, o das Relações Humanas.

Esse tipo de filme só além-fronteira ou, de quando em quando, aqui, se algum cineasta ou roteirista se desprende daquilo que, nas telenovelas, chamo A Hora do Panfleto e da Utilidade Pública: aquele momento recorrente em que o personagem, em conversa com outro, recomenda, esclarece, explica, apresenta, conscientiza, com a intenção clara de recomendar, esclarecer, explicar, apresentar, conscientizar.

Contem vocês também nos dedos os filmes brasileiros e, se encontrarem algum Filme, me recomendem.
Imagem: cartaz do filme franco-romeno Casamento silencioso (2008), dirigido por Horatiu Malaele. Crítica irônica e bem humorada aos regimes políticos que desprezam o Indivíduo.

15 comentários:

Anônimo disse...

Apenas três: Contra todos, de Roberto Moreira, A concepção, de José Eduardo Belmonte, e Baixio das Bestas, de Cláudio Assis. Se não forem exatamente sublimes, pelo menos não engrossam o coro panfletário. Aquele abraço e felicitações pelo post inspirado (tenho sido mais argentino e/ou europeu que brasileiro ultimamente).

Lidi disse...

Fiquei curiosa em saber quais os filmes que você contou no dedo. Abraço.

Ribeiro Pedreira disse...

Um "Lavoura arcaica" (2001), dirigido por Luiz Fernando Carvalho, faz bem aos sentidos.

Renata Magalhães disse...

Escolhi seu blog para o Prémio Dardos. Veja no meu o que fazer :)

Beijo

O Neto do Herculano disse...

Realmente o cinema brasileiro parece se valer apenas de favela, violência e telefilme. Temos muito o que aprender com nossos vizinhos argentinos. "Não por Acaso", de Philippe Barcinski é bacana, assim como "Feliz Natal" de Selton Melo. Os curtametragens nacionais ainda são mais interessantes.

Bípede Falante disse...

Eu ando sem estômago para o cinema brasileiro. Gostei do Lavoura, mas gostei porque amo o livro, amo profundamente, e o filme reproduz bastante o texto e, por isso, mesmo não consigo ter o distanciamento necessário para dizer se o filme é ou não é o filme.

Felicidade Clandestina disse...

cara, conheci seu trabalho pela minha professora, e estou encantada :)



como você escreve *.*


abraços!

Muadiê Maria disse...

Mayrant, recomendo dois: Cheiro do ralo e Estômago.
Já viu?
Um abraço,
Martha

Senhorita B. disse...

Mayrant,
Adorei o filme "Os Famosos e os duendes da morte". Nacional, poético e lindo! Ainda está no cinema, foge de todos os clichês do cinema brasileiro, não deixe de conferir.
Abraços,
Renata

Cristiano Contreiras disse...

Recomendo "Nina" de Heitor Dhalia, "Abril despedaçado" de Walter Salles ou mesmo "Eu sei que vou te amar" de Arnaldo Jabor...

Esses, além de um ou outro mais, me definem, são reflexivos, autênticos, diferentes e altamente interessantes.

Abraço, te sigo!

Renata Rocha disse...

Oi Mayrant,
também fiquei curiosa para saber quais os filmes que você contou no dedos!
Abração,
Renata Rocha

Regina Marinho disse...

Você está muito enganado, pois os filmes brasileiros são lindos, você já assistiu RIO? É o filme mais fofo que eu já vi. Então você deve aprender a respeitar os filmes brasileiros. E veja que este comentário foi feito por uma criança de 7 (sete) anos, tá querido. Maria Inês.

Mayrant Gallo disse...

Prezadas, se atentaram para o que leram aqui, sabem que a postagem é de 2010, antes do lançamento do filme "Rio" e que, além do mais, não me referi a filmes de animação. Ler requer entendimento, e escrever, coerência. Mas, apesar de tudo, aceitei o comentário de vocês, pois, mesmo deslocado no tempo e no contexto, é um protesto legítimo. Acrescento que sou um admirador dos filmes brasileiros, e há muito tempo, muito antes dos mesmos se tornarem populares, mas que está ficando chato ver os filmes brasileiros, quase sempre mais previsíveis que nossa própria sombra. Grato pela visita ao Não leia!

Pedro Du Bois disse...

"O som ao redor", pernambucano. Excelente. Abraços.

Mayrant Gallo disse...

Prezado Pedro Du Bois, obrigado pela dica. Este não conheço, mas PE tem feito filmes muito bons. Inclusive, vendi os direitos de adaptção de um conto meu para uma produtora pernambucana. Vi um documentário pernambucano que narra a história de um Fusca, desde seu primeiro dono até o último, que é uma obra-prima. Abraço!