"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

VÁ E VEJA, 18: L'APOLLONIDE

Em cartaz em Salvador, L'apollonide, os amores da casa de tolerância, de Bertrand Bonello. O filme se passa em três momentos específicos de Paris: fins do século XIX, começo do século XX e os dias atuais. Propositalmente sem uma trama nítida, a narrativa se concentra no cotidiano das garotas de um bordel de luxo: suas transas, seus clientes, sua preparação para a noite, seu descanso ao longo do dia, suas alegrias e decepções.

Prisioneiras, tristes, solitárias e à mercê da violência e dissolução masculinas, elas só gozam de algum prazer quando estão longe dos homens. Uma delas chega ao ponto de afirmar que, quando deixar aquela vida, nunca mais vai trepar, ou fazer amor, conforme suas próprias palavras. Obviamente que elas preferem as conversas à mesa, entre elas mesmas, ou os passeios ao ar livre, cujo apogeu é o banho no lago, todas nuas. Mas isso não dá dinheiro, nem liberdade, nem esperança.

Se é certo que para um filme ser uma obra de arte é preciso estética, vale destacar a cor da fotografia: um claro-escuro constante que prepara nosso olhar para receber o tom da nudez das moças, bem como de suas roupas, sempre vistosas e sensuais. Uma cena de crueldade logo no início não permite que o espectador imagine senão outras mais, em sequência, como um efeito dominó, mas o diretor surpreende e apenas as promete, nos igualando aos frequentadores do bordel, afinal de contas talvez não haja diferença entre "pensar" e "praticar". Nos dois atos, chega-se à experiência, e esta é a essência da obra de arte.

O desfecho, um dos mais ousados que vi no cinema atual, introduzido por um abrupto corte temporal de mais de cem anos, sugere que nada mudou: as prostitutas agora estão nas ruas e ainda mais vulneráveis, à espera dos clientes em seus carros, rumo a um destino sempre ignorado.

Oriundo de uma linhagem tradicional no cinema europeu, com notáveis incursões de importantes diretores como Zurlini e Godard, L'apollonide constitui uma profunda reflexão sobre a profissão mais antiga do mundo e para a qual o único ingresso é abrir as pernas, refrão de boa parte do filme.

2 comentários:

Felicidade Clandestina disse...

não sabia que já estava aqui. oba! vou conferir neste fim de semana. abraços

Lidi disse...

Se estivesse em cartaz nesta cidade, eu iria, agora, assistir. Mas, infelizmente, não moro em Salvador. Acredita que, até hoje, Melancholia não passou por aqui? Obrigada pela indicação, Mayrant. Abraço.