"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O HOMEM QUE TEVE SUA CHANCE

Pela manhã foi ao sebo e, por acaso, achou um Graham Greene: uma peça teatral – talvez a melhor que o autor escrevera –, em edição antiga, de 1960.
Depois foi ao banco, torrar o pouco de dinheiro que lhe restava.
Almoçou, cochilou por quinze minutos – ali mesmo no restaurante, a cabeça recostada à parede – e saiu para o trabalho.
A caminho, ao atravessar o semáforo, avistou do outro lado da rua uma pequena multidão em volta de um homem caído, coberto com um pano branco, os policias a controlar impacientes o ânimo de quem permanecia vivo e se deleitava em contemplar a corporificação da morte.
Foi adiante, mal dando importância ao fato, sem saber que esta havia sido a sua última chance de agradar a morte – admirando-a.
Jamais chegou a ler aquele livro usado, comprado a preço ínfimo e cujas páginas ainda se mantinham grudadas...


Foto: cena de Cloverfield (2008), de Matt Reeves.

3 comentários:

Hitch disse...

Sinto-me preso a vagas sensações, e nelas me apoio. Uma delas se encontra aqui, neste espaço, atrelada a uma dívida que nunca cansarei de pagar. Aquele abraço.

Silvestre Gavinha disse...

Como já sabes, ainda não li "O inédito de Kafka". Mea culpa.
Tenho certeza já que vou gostar.
Mesmo ele sendo: mais forte, mais longo, mais sério, mais pretensioso. Não são atributos que desgosto, nem em livro, nem em filme e nem em ninguém. Desde que, logicamente, venham embrulhando algo.
Mas tenho que dizer que teus "mimos" são já suficientes para toda essa cobertura. Ainda não sei como é quando escreves mais.
O teu "menos"(longo, forte, sério e pretensioso) avança. E muito.
Adorei esse aqui.
Já te disse também: essa alegoria da paquera ou jogo de sedução com a morte, me cai muito bem.

Lidi disse...

Mayrant, adorei este mini-conto! Estará em "Nem mesmo os passarinhos tristes"? Não vejo a hora destes livros saírem da gaveta! Abraço.