
Cansado de tirar o filho da cadeia, o pai comprometeu-se, de uma vez por todas, em pôr aquele delinquente na linha!
O maquinista não viu o corpo amarrado nos trilhos.
WILSON GORJ: Sem contos longos
LEMBRANÇAS DE VIAGEM
Ele não se lembra bem como aconteceu.
Perdeu o controle do carro e saiu da estrada.
Assim como quem sobe a calçada para cumprimentar pessoas, o carro e ele tocaram árvores, uma depois da outra, até se quedarem, cada qual em seu cantinho de mato.
Não tardou muito e os outros surgiram no local do acidente. Primeiro, curiosos; depois, sorrateiros.
Ele os viu, um a um, revirarem o carro e levarem seus pertences. Assistiu depenarem seu próprio corpo ― não podia se mexer, não podia falar. Depois o deixaram lá, gaveta revirada, e foram cuidar de suas vidas.
Disso ele se lembra bem.
CARLOS BARBOSA: A segunda sombra
11.
― Tua professora ligou. De castigo, você. Beijando na boca os meninos. Que feio, meu filho. Não é assim que se faz.
― ...
― Menino beija menina.
― Você é gozada, cara.
― ...
― Pensa que elas deixam?
DALTON TREVISAN: 111 ais
SNAP
Algo instintivo, intestinal, me levou a empunhar esta arma, agora apontada para a sua cabeça. Você tem filhos, sim, eu nunca os tive. Explosão seca de metal incandescente.
PATRICK BROCK: Textorama
O REENCONTRO
Um homem que o Sr. K. não via há muito o saudou com as palavras: “O senhor não mudou nada”. “Oh!”, fez o Sr. K., empalidecendo.
BERTOLT BRECHT: Histórias do Sr. Keuner
MAU NEGÓCIO
Começaram a tirar o pelo do porco para depois o comerem. Mesmo antes de morrer o animal murmurou: Eu-não-sou-um-porco-sou-um-homem. O casal ajoelhou-se e pôs-se a chorar.
― Este porco fala. Como seria rentável!
GONÇALO M. TAVARES: O senhor Brecht
O MILAGRE DOS COPOS
1
Tarde da noite, no bar quase vazio, dois amigos conversam.
― Pois é isso: eu e sua mulher nos amamos.
Susto. Incredulidade. Depois:
― E vocês, vocês...?
2
O garçom a recolher os cacos.
OS FUNERAIS
Foi somente quando se deu conta de que não podia mais ser pai e já não era mais filho que ele foi feliz.
MOMENTO
Tarde... Nenhuma vontade, nenhum sonho... O dia acabando, o sol morrendo... Eu também morrendo. A última cena de Encontros e desencontros me passando por dentro...
MAYRANT GALLO: Nem mesmo os passarinhos tristes
HISTÓRIA EDIFICANTE
Era uma vez duas pulguinhas que passaram a vida inteira economizando e compraram um cachorro só para elas.
MÁRIO QUINTANA: Porta giratória
IMAGEM: cena do filme Rumble fish (1983), de Francis Ford Coppola
4 comentários:
Gostei de sua iniciativa, se puder, dê uma olhada em:
www.zonafronteirica.blogspot.com
Pobre pulguinhas. Não conseguiram um circo, mas dividiram um bom cachorro :)
Adorei os minicontos!
beijo.
Mayrant, obrigada por partilhar estes minicontos com os teus leitores. O de Gorj eu já conhecia e, além de gostar muito, sempre trabalho com ele nas minhas aulas: adoro o jogo que Gorj faz com o sentido das palavras. Conhecia também o de Patrick Brock (também trabalho em sala, para explicar o implícito, o subentendido nos textos), o de Carlos Barbosa (muito bom!), o de Quintana (maravilhoso!) e os teus (acho que sou até suspeita para falar o quanto os aprecio). Os outros não conhecia e fiquei feliz por ter esta oportunidade. Um grande abraço e ótimo NATAL para você e para Andréia.
Podia ministrar outro curso - aqui em Salvador :)
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