"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A REDOMA BUROCRÁTICA DO BELMIRO

Belmiro é o personagem-narrador do romance de inspiração machadiana O amanuense Belmiro, escrito pelo mineiro Cyro dos Anjos (1906-1994) e publicado em 1937. A trama descreve a vida burocrática de um amanuense, que periodicamente anota, num diário pessoal, os acontecimentos de seu cotidiano pacato e sonhador, dividido entre o presente introspectivo e o passado lírico.
Escrever para ele é evadir, e também um modo de compreensão de si mesmo e do mundo. Confinado a uma vida de prazeres superficiais, de repetição e inércia, de camaradagem compensatória e monótono vaivém dos dias, resta a Belmiro realizar-se em linguagem, análise e humor. Nada escapa à sua pena tensa de ironia e ternura, a sedimentar um equilíbrio que, como homem, ele não alcança.
Incapaz de levar uma vida normal, com relações mais profundas e definitivas, Belmiro chega ao ponto de privar-se de conquistar a mulher que ama e, quando a vê casada com outro homem, numa atitude de contradição doistoiévskiana, leva-lhe incógnito seu último adeus no cais do porto, vendo-a partir – satisfeito – para as núpcias com o marido. Talvez tal ato seja um emblema a encerrar, definitivamente, o Belmiro em sua redoma de burocrata sem ação para a vida, preso a um estoicismo pessoal que é quase um niilismo.
Um personagem e um romance que, como disse Antonio Candido, “insinuam-se lentamente na sensibilidade, até se identificarem com a nossa própria experiência”. Belmiro é toda uma humanidade.


Perfil originalmente publicado na revista Entrelivros, #20.
Capa da sétima edição (1971), pela antiga José Olympio.

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