Todo leitor de literatura já fez, em algum momento, sua lista de preferências. Ainda que seja só para uso pessoal. Os romances que mais aprecia... Seus contos preferidos... Os poemas aos quais retorna com freqüência... Aquelas peças cujo texto, de tão fluente e profundo, prescinde da apresentação no palco...
Pois bem, um dos meus contos prediletos da literatura brasileira, um daqueles que estou sempre relendo com meus alunos, em matérias regulares ou oficinas de leitura, é Felicidade, de Marques Rebelo. Um conto cujo mérito não reside apenas na história, mas em como ela se desenvolve, na estrutura de vaivém no tempo, nos cortes bruscos, em sua linguagem ao mesmo tempo poética e objetiva, em seu diálogo com a funcionalidade do cinema.
Além disso, é um relato cheio de humor e ironia, e que reflete as mudanças por que passava o Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, da década de 1930: a expansão da mulher no mercado de trabalho, o influência do cinema no comportamento das pessoas, os resíduos de uma sociedade que acreditava que para uma mulher só restava o casamento como substrato de realização e felicidade pessoal.
Clarete, a protagonista, vai tanto ao cinema, que já possui um olhar cinemático. E caminha como as atrizes, percutindo os saltos, numa afetação de fazer voltar cabeças. E faz pose até para pegar bonde, pela manhã, a caminho do “trampo”. Além disso, gasta todo o seu salário ganho na companhia telefônica com roupas e maquiagem, e despreza com desdém os garotos de sua rua, sem, no entanto, deixar de ter seus momentos de fraqueza e dor, à noite, na solidão do seu quarto...
Pois bem, um dos meus contos prediletos da literatura brasileira, um daqueles que estou sempre relendo com meus alunos, em matérias regulares ou oficinas de leitura, é Felicidade, de Marques Rebelo. Um conto cujo mérito não reside apenas na história, mas em como ela se desenvolve, na estrutura de vaivém no tempo, nos cortes bruscos, em sua linguagem ao mesmo tempo poética e objetiva, em seu diálogo com a funcionalidade do cinema.
Além disso, é um relato cheio de humor e ironia, e que reflete as mudanças por que passava o Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, da década de 1930: a expansão da mulher no mercado de trabalho, o influência do cinema no comportamento das pessoas, os resíduos de uma sociedade que acreditava que para uma mulher só restava o casamento como substrato de realização e felicidade pessoal.
Clarete, a protagonista, vai tanto ao cinema, que já possui um olhar cinemático. E caminha como as atrizes, percutindo os saltos, numa afetação de fazer voltar cabeças. E faz pose até para pegar bonde, pela manhã, a caminho do “trampo”. Além disso, gasta todo o seu salário ganho na companhia telefônica com roupas e maquiagem, e despreza com desdém os garotos de sua rua, sem, no entanto, deixar de ter seus momentos de fraqueza e dor, à noite, na solidão do seu quarto...
Assim, é em Clarete que penso quando, andando pelas ruas, me deparo com certas figuras. Se no tempo de Clarete havia o cinema como espelho para o comportamento, a aparência e as atitudes, há atualmente o cinema, a tevê, as inúmeras revistas e jornais recheados de fotos de modelos forjados para a vida, a internet e, sobretudo, o mundo da moda... Jamais vi tanta gente andando na rua como se estivesse numa passarela da moda, num desfile. O corpo em viva afetação. Os gestos e passos quase milimetricamente medidos. O olhar distante e vazio, a refletir descaso e indiferença. As roupas nem são assim tão chamativas, mas, inseridas num gosto exótico de momento, destacam o usuário ou revelam muito do seu caráter de papel.
Até o cinema vem reproduzindo esse ar de pose. Vários filmes, hoje, apresentam personagens femininas que reproduzem, linha por linha, não somente a magreza das modelos, mas também sua postura e bamboleio no ato do desfile, naquele momento em que a roupa representa tanto a alma exterior quanto a interior, como pretendia Machado de Assis num dos seus melhores contos, O espelho. Também a série de tevê Invasion, num certo momento crucial da trama, deixa que o vilão (até então quase incógnito) caminhe longamente, a mostrar-se em atitude de auto-exaltação, de exteriorização de um ego apaixonado por si mesmo, inflado, convencido, petulante, assoberbado: em câmara lenta, ele surge, se exibe, seduz e vai embora. Um ou dois minutos de auto-aprovação e afirmação para o mundo.
Ontem mesmo, pela manhã, nos mais ou menos 500m que perfaço de casa até o trabalho, avistei quatro ou cinco pessoas (e não somente mulheres, como alguns leitores poderiam supor) que se colocavam na realidade assim: cientes de que, bem ou mal, se exibiam para uma platéia. A cada olhar que surpreendiam e deixavam para trás, ofereciam seu ar de autodefesa e imolação, como se dissessem: “Gostou de mim, me admirou? Pois bem, agora me esqueça!”
Já não caminhamos: desfilamos. Já não vivemos: representamos.
Será que ainda morremos?
Até o cinema vem reproduzindo esse ar de pose. Vários filmes, hoje, apresentam personagens femininas que reproduzem, linha por linha, não somente a magreza das modelos, mas também sua postura e bamboleio no ato do desfile, naquele momento em que a roupa representa tanto a alma exterior quanto a interior, como pretendia Machado de Assis num dos seus melhores contos, O espelho. Também a série de tevê Invasion, num certo momento crucial da trama, deixa que o vilão (até então quase incógnito) caminhe longamente, a mostrar-se em atitude de auto-exaltação, de exteriorização de um ego apaixonado por si mesmo, inflado, convencido, petulante, assoberbado: em câmara lenta, ele surge, se exibe, seduz e vai embora. Um ou dois minutos de auto-aprovação e afirmação para o mundo.
Ontem mesmo, pela manhã, nos mais ou menos 500m que perfaço de casa até o trabalho, avistei quatro ou cinco pessoas (e não somente mulheres, como alguns leitores poderiam supor) que se colocavam na realidade assim: cientes de que, bem ou mal, se exibiam para uma platéia. A cada olhar que surpreendiam e deixavam para trás, ofereciam seu ar de autodefesa e imolação, como se dissessem: “Gostou de mim, me admirou? Pois bem, agora me esqueça!”
Já não caminhamos: desfilamos. Já não vivemos: representamos.
Será que ainda morremos?
Foto: cena de "desfile", no filme Não conte a ninguém, de Guillaume Canet.
4 comentários:
Não. Empacotamos.
Pior, vivemos.
Olá amigo!
Estou passando nos blogues amigos para convidá-los a participar da Blogagem Coletiva sobre “INCLUSÃO SOCIAL” que acontecerá no próximo dia 09/03/2009.
Ficarei muito feliz de poder contar com sua participação!
Se for participar, por gentileza, deixe um recado no blog Esterança.
Desde já, muito grata!
Ester
♥
É, na Sociedade do Espetáculo, quem não tem um espelho, nem morrer pode.
Se dissolve provavelmente. Como já imaginou um autor muito bem instrumentado. Num conto dum livro que ainda estou lendo, como quem degusta um vinho fino, duma safra nobre, especial. E recomendo.
Marie
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