Snoopy escritor, por Charles Schulz. |
"Quero ser velha, mas não quero ser mulher. Quero ser uma erudita, mas não uma estudante. Quero ser uma intelectual, uma escritora, um sucesso, uma autoridade, mas não quero a mão de obra que precede tudo isso."
Palavras da escritora britânica Ruth Rendell, através de sua narradora, na novela As pedras no caminho (Heartstones, 1987).
Esta citação de Ruth Rendell nunca foi mais atual. Talvez motivadas pela velocidade do mundo, que a internet e a tecnologia em geral só acentuaram nos últimos anos, as pessoas almejam a uma carreira, mas querem se privar de qualquer esforço para alcançá-la.
Muitos escritores, por exemplo, não querem ler, nem praticar a escrita, pretendem (não sei como!) sair a escrever qualquer coisa e obter sucesso. Se conseguirem algum, será em meio aos leitores médios, de obras ligeiras, que, em geral, só perduram o tempo de uma estação ou o intervalo do gosto de época, que mais cedo ou mais tarde será substituído por outro. Conscientes disso, vão à mídia ou procuram se manter sempre em evidência, de modo a alicerçar sua obra com algo rarefeito que a sustente: sua imagem.
O fato de um escritor estar na mídia, sendo entrevistado por alguma Fátima Bernardes ou qualquer outro apresentador, não é certeza de que ele escreve bem, de que seus assuntos são necessários e elevados, e de que vale a pena o leitor se debruçar sobre sua obra. Muitas vezes é o inverso: é exatamente por isso que ele não deve ser lido, pois sua obra precisa de aparato, de apêndices e notas para se promover ou se consolidar. E não raro ele comparece ao programa por outras causas, quase sempre extraliterárias. É só um profissional dando sua opinião. Seus livros, bons ou ruins, estão ausentes. Que o leitor não se engane. A imagem de um escritor não é recomendação para a sua obra. Só esta deve se recomendar.
Recentemente, um jornalista me telefonou querendo que eu participasse de um programa de rádio cujo assunto era o Brasil nas Copas do Mundo. Respondi que não tinha competência para isso e que, portanto, declinava do convite. Meio atordoado, ele argumentou que estava me convidando porque eu escrevera o livro O gol esquecido. Ora, é um volume de contos. Uma obra de ficção. Não é sobre a Seleção Brasileira, nem sobre as Copas, nem talvez sobre futebol... O futebol é só um pretexto para temas mais literários e mais humanos. Se ele tivesse lido o livro, saberia disso. E não perderia tempo em me telefonar.
De minha parte, se me examino pelo ponto de vista da maioria, devo ter perdido uma oportunidade. É possível. Mas estou em paz e tenho as mãos limpas.
Um comentário:
Sei do que fala e escreve. Aprendi com você.
Abração.
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