"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O NATAL DE NICK E NORA

Todo ano, perto do Natal ou mesmo na noite ou no dia de Natal – e isso desde criança, embora na época lesse mais gibis –, costumo ler uma série de obras literárias sobre o assunto. No último, li ou reli somente três, e com inúmeras interrupções, um mundo de incidentes: a delicada novelinha O pastor, de Frederick Forsyth, o surpreendente relato de Simenon, Un Noël de Maigret – mal-traduzido em português para Maigret e a menina – e o belo e ambíguo auto de Natal Morte e vida Severina, do nosso João Cabral de Melo Neto, mistura de poesia, teatro e romance; uma obra que só um gênio (de verdade, sem o sentido de clichê que arrebatou esta palavra) pode conceber. Este ano foi pior: por causa da escassez de tempo e dos afazeres em casa e na rua, tive que me contentar apenas em reler um conto de Ivan Bunin – Ida –, que não é, absolutamente, um conto de Natal; este é só um pretexto: é, na verdade, uma terrível história de amor. E, no próximo ano, quantas histórias de Natal lerei? Ou apenas lerei um ou dois minicontos, ou tão-somente um dos lindos poemas com os quais Manuel Bandeira marcou para sempre o nosso Natal? Possivelmente. Mas que assim seja, que a vida seja o que é. Sem chorumelas. E é por isso que amanhã lerei de novo A ceia dos acusados (The thin man), de Dashiell Hammett, que começa assim: “Estava eu encostado ao balcão de um speakeasy da Rua 52, em Nova Iorque, à espera de que Nora terminasse suas compras de véspera de Natal, quando uma jovem se ergueu da mesa onde se achava em companhia de outros e encaminhou-se para o meu lado. Miúda de corpo, loura, vestida esportivamente, uma figura agradável aos olhos”. Natal com humor, ironia, zombaria e crime. Natal sem linguagem nem sentimentos, sem idealizações nem sonhos. O Natal do mundo, como é o mundo, afeito a preços e trivialidades.

4 comentários:

Anônimo disse...

Encantador excerto (e relato). Nunca tivera um natal regado a boa literatura, a bom cinema. Só agora disponho de alguns títulos essenciais (a exemplo de Morte e vida Severina). Todavia, quem sabe quando poderei dar início realmente a tal intento, sempre adiado pela trivialidades circunstanciais. No mais, bom natal. Aquele abraço. T

Silvestre Gavinha disse...

Também gosto dos contos de Natal. Essa novela é de longe o que mais gosto do Forsyth. Morte e Vida, sem comentários.
Uma vez, há já uns 5 anos ou mais, li, na beira da praia, um conto muito bom, sobre um casal que ia morar num apê sub-locado por uma senhora ou senhor, não lembro bem. E tinha toda uma magia rolando com uma caixa de uns segredos.
Talvez o contrário da minha caixa de Pandora. Justo eu, que tenho uma memória tenebrosa de boa, não lembro do nome do livro, nem autor, nem nada, nem do conto direito. Ele, o conto, me encheu da doce atmosfera natalina de neve e mistério do hemisfério norte, em pleno sol escaldante de Ubatuba (São Francisco do Sul -SC). E como que perdeu-se nos lagamares daquela praia. Era um livro emprestado, por alguem, para minha prima e nunca mais, nunca mais consegui retraçá-lo. Era muito legal e vez por outra, lembro alguma coisa fugaz.
Ontem, exatamente aqui no hemisfério norte, vivi uma situação que daria bem, material para um bom conto nas mãos de um bom artesão. Quem sabe eu tente, não estragá-lo muito. Não teve neve, até agora, mas alegria e doces revelações, ficam por nossa conta. Sem dúvida é o "Natal do mundo, como é o mundo, afeito a preços e trivialidades", mas com o deslocamento forçado, e de repente estar na parte do mundo que fica de cabeça para cima (como diria Mafalda) pode reservar, sem dúvida, uma outra perspectiva. Com temperatura bastante amena (em vista da nevasca ameaçada) uma chuvinha que nem dava para dançar, um leve toque de um Pinot Noir Californiano, e a Broadway parecia a Disneylândia, e a missa do Galo foi transferida da Saint Patricks para o calor dos lençóis do quarto de hotel.
Feliz natal aí nos trópicos, onde o pecado não existe. Mesmo para um deslocado tcheco como você, meu amigo.
Obridada pela visita e teus votos.
Grande abraço.
Marie

PS. Teu livro, que comprei na Cultura pela internet, não chegou a tempo. Trouxe a vida de Leila Diniz, que comprei no aeroporto.

Anônimo disse...

Para mim teus textos são sempre inspiradores. Abraços, dessa M. aqui.

Anônimo disse...

Mayrant
Acabei de ler três livros de contos do Dashiell. Só um em português brasileiro e os outros em português de portugal (onde policial ou tira se chama chui) e estava querendo encontrar um amigo que tivesse este livro (The Thin Man, que numa tradução livre seria o Magro). Que sorte a minha. Você me empresta?