O escritor russo Ievgueni Ievtuschenko, em Ardabiola, vê o câncer como um símbolo do mal no homem. Um limite inatingível também, pois é o fundo do próprio homem: alcançá-lo corresponde a uma espécie de anulação do ser que o alimenta e sem o qual a vida não existiria. A essência do homem é o mal, e o mal é o câncer; logo, o homem é o câncer, uma energia que disseca o organismo de dentro para fora: curá-lo faria do ser humano uma nulidade, uma carcaça. E assim, quando um cientista descobre essa notável cura, é o próprio homem, com sua inclinação para a destruição, ainda que inconscientemente, quem vai fazer com que tal conhecimento desapareça, escamoteado no véu da ignorância, do embotamento. E o faz com brutalidade, bem ao gosto do gênero humano. O sujeito que doravante poderia evitar que muitas pessoas morressem perdeu a consciência, mal se lembra quem é, e menos ainda que perpetrou uma das maiores descobertas de todos os tempos. Surrado quase até a morte por um grupo de rapazes, está confinado à cama e ao silêncio. Mas, bem no fundo de sua mente, lá onde dormem as melhores idéias, está o segredo... É o que surpreende no desfecho desta trama: como num sonho, um evento inesperado – insólito, eu diria – resgata a descoberta que aparentemente estava soterrada para sempre... Mas não vou contar o final da novela. Transcreverei – isto sim – um dos momentos que mais impressionam os leitores, aquele em que, para a nossa desgraça, o protagonista afirma que não somos muito diferentes dos animais – se é que não somos iguais ou piores: “Um dia o homem também deixará de existir. Os seres humanos são os únicos animais que caçam os outros da mesma espécie. Nem as hienas fazem isso. Sabem o que os bichos pensam de nós? Que somos os animais, enquanto eles são as pessoas”.
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