A celebração da vida, na arte de Carybé. |
Hoje, se viva, minha mãe completaria 83 anos. Desde que ela se foi, tenho publicado aqui, ano a ano, no seu aniversário, um poema. Desta vez, nenhum me ocorreu.
Não acho que eu a esteja esquecendo. Não. Ou que seu aniversário não seja mais uma data de celebração. Simplesmente, a vida, com seu fluxo irremediável, vai nos engolfando e nos obrigando, forçosamente, a pensar menos no que, de fato, é mais importante para todos nós: as pessoas que amamos e que perdemos, as que estão ao nosso lado, os amigos, os parentes, os prazeres que a arte nos oferece, através de um livro, filme, quadro ou canção etc.
Nada disso pode ser substituído por outra coisa ou outro ser, embora, a cada dia, a estrutura do mundo nos diga o contrário. E o fato de, na farmácia, hoje, ao comprar um remédio, me dar conta de que é dia 29 de agosto, aniversário de minha mãe, me assegura de que ainda não me deixei anular de todo. Que há algo ainda de genuíno e humano dentro de mim. Que ainda não sou como "eles". Sejam "eles" um grupo preciso ou Legião ou só o "sistema", que falha quando quer, e nada se pode fazer.
A verdade é que o aniversário de qualquer pessoa é tão importante quanto a mais importante das datas históricas. Obviamente que há pessoas desprezíveis e inúteis no mundo, e conheço algumas, mas mesmo estas preenchem, em algum momento de suas vidas, o pensamento afetivo de alguém, e isto constitui uma das justificativas para a celebração da vida.
Esta existência entre enganadores e ladrões não vale que nos esqueçamos disso. Eles também foram crianças, filhos e talvez sejam pais, tios, avós e tenham seus amigos. Compõem, em suma, um grãozinho de poeira do Universo e vão, como eu, desaparecer um dia, tornar-se ou não uma imagem benigna no pensamento de alguém, a exemplo de minha mãe.