OUTROS INTERESSES
A bem da verdade, não foi um semestre bom. Nem poderia: em pleno verão, época de pouca roupa, sol, praia, música, ócio, brisa...
Quinze alunos. Dois apenas interessados
Havia também a aluna que balançava a perna, de cara para cima, como se ansiosa, a esperar o noivo, que tardasse em demasia, quem sabe por que motivo... Romântica na pele e nos ossos, não suportou o Realismo e, ao receber o resultado da primeira avaliação, foi chorar no banheiro...
Duas outras alunas, durante a entrega dessa mesma prova, irromperam num ataque de riso, incrédulas não propriamente com seu desempenho, mas com a nota. Outras três não queriam saber mais do que já sabiam e passavam toda a aula debruçadas sobre catálogos de vestuário e perfumaria. Ali estava tudo o que elas queriam possuir e almejavam ser: os vistosos acessórios de uma suposta elegância. Sua participação em aula se resumia a um surdo cochicho entre elas mesmas, como se conspirassem, quase em silêncio, contra o professor.
Um aluno era a ausência
Todavia, este ainda não era o aluno mais exótico da classe. A silenciosa Célia o superava. A Célia que não opinava, não discutia, não reclamava, não questionava. Para ela as aulas transcorriam no próprio paraíso. Em salas com ar condicionado, água fresca à vontade, o bom café brasileiro, pãozinho de queijo, biscoitos finos e até bolo, daqueles que não existem mais e que faziam a alegria das crianças nas visitas à casa da avó. E quando olhava para fora, através da janela de cristalino vidro, via crianças brincando na relva, em meio a pássaros e lépidos esquilos, na mais quimérica paz. Ninguém a arrancava de seu silêncio. Nem o ácido Machado, nem o brutal Azevedo, nem o audacioso Caminha, nem mesmo o devasso Júlio Ribeiro. O sexo existente nele – ou ela já o excedera ou então desconhecia, e com uma inocência tal, que seria capaz de adormecer, de súbito, em meio a um adjunto adnominal, uma rara metáfora.
Só uma única vez o professor conseguiu despertar sua atenção, e por uma via surpreendente, quase risível, se não fosse trágica. O semestre já ia pelo fim, e estudava-se o descabelado Augusto dos Anjos. Poeta original, mas soturno, doentio, místico e por demais crédulo da influência dos astros sobre o destino dos homens. Em seu comentário, uma duvidosa exegese de segunda mão, o professor intercalou elementares conhecimentos astrológicos. E, à guisa de ilustração, perguntou a uma das alunas mais interessadas – se é que havia alguma:
– Amanda, qual o seu signo?
A aluna de pronto respondeu, radiante:
– Touro.
– Pessoas obstinadas, teimosas, céticas. Raramente mudam de idéia. Carregam até o fim sua pedra, como Sísifo, mesmo sabendo que poderão sucumbir a qualquer momento. Mas, em geral, são pessoas espirituosas, as taurinas.
A aluna ficou ainda mais radiante. Aquele era um retrato perfeito de sua personalidade, sua exata psicologia. Animada – como, aliás, toda a classe –, ela ia perguntar qualquer coisa, mas nesse instante o professor consultou o relógio e deu por encerrada a aula. Ia aplicar uma prova noutra turma e não queria se atrasar.
Já no corredor apinhado de alunos e professores, a andar apressado, ouviu alguém chamá-lo. Era a silenciosa Célia, que afinal queria lhe falar. Ele nem se lembrava de ter ouvido sua voz calma e quente, naquele semestre... Se ouviu, foram tão poucas vezes – e não direcionada a ele, em conversa trivial com seus colegas –, que ele quase a esquecera.
– Professor! Professor! – ela o chamou de novo, sem conseguir alcançá-lo.
Contrariado, ele se voltou:
– Agora não posso! Vou aplicar uma prova.
– Mas é rápido, professor! Bem rápido!
– Mas não posso... Não posso! – e voltou a andar.
– É rápido! Por favor! – ela gemeu, a fisionomia crispada, em estado de autêntico sofrimento.
Ele parou. Professor sério e preocupado com o destino de seus pupilos, ele supôs, por um instante, que a aluna tinha alguma dúvida em relação a algum conteúdo – e a prova era na próxima semana...
– Está bem, Célia: qual a sua dúvida?
Ela procurou sua melhor face. A mais vívida. E sua voz mais cálida, mais clara, infiel ao seu interior tempestuoso. E pela primeira vez naquele semestre ela articulou uma pergunta. A primeira e, talvez, por toda a sua existência universitária, a única. Sua voz saiu trêmula, hesitante:
– Professor, e eu? Quais as características dos capricornianos?
– …!
4 comentários:
E qual a carcterística dos librianos? Aquele abraço.
Adorei esse filme e adorei a sua crônica!! Mais a sua crônica que o filme. Ou será o contrário? Serei eu de balança ou isso é coisa de gêmeos, o do bem ou o do mal?
Beijo :)
Bípede
P.S. Estive na Bahia. Morri de amores e voltei viva.
Mayrant, estamos escolhendo o nome do blog coletivo lá no meu. Quando tiver um tempinho, entra lá e dá a sua opinião, tá?
Seria legal se você colocasse as suas crônicas nele também. Pense sobre a ideia.
Beijo.
Bípede
Oi...
Gostei do seu blog...
vou te seguir
Bjo
Leca
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