A garota ia e vinha com ele num ritmo aparentemente único e não quis parar, retendo-o pelo quadril com a mão esquerda, o braço todo esticado para trás, de modo que, à luz fraca que preenchia o quarto, uma centelha úmida de suor mesclava-se à sua pele morena e quente.
Por um instante ele ignorou o apelo do telefone e manteve o ritmo, a fração de sonho que o alimentava. Mas então se lembrou...
De um pulo, estava fora da garota e longe da cama. Com quatro passos, deixou o quarto e entrou na sala, ambos exíguos e às escuras.
Mal ergueu o telefone, já sabia o que havia acontecido.
— Sr. Isaac...
— Sou eu.
— Aqui é do hospital...
— Está bem, estou indo.
— Seu tio...
— Eu sei.
E sem agradecer pousou o telefone.
A garota já havia fechado a nudez, posto saia e blusa, que caía aberta, a mostrar os seios pequenos e despertos. Estava em pé no meio do quarto, à espera, uma nuvem de tensão nos olhos. Esfregava os braços, como se transida de frio, embora fosse verão, um mês rigoroso, de dias ensolarados e noites abafadas, favoráveis à insônia.
— Meu tio se foi — ele disse.
Ela não encontrou o que dizer. Largou os próprios braços e agachou o corpo em busca das sandálias, perdidas na semi-escuridão do cômodo.
MAYRANT GALLO. Conto recém-publicado na Verbo21, na coluna que tenho por lá, a Seara do Gallo. Portanto, quem quiser ler o resto da história, entre aqui: www.verbo21.com.br
Imagem: pintura de Gustav Klimt (1862-1918).
Um comentário:
Muito bom o conto, Mayrant. Gostei do diálogo com Álvaro de Campos e fiquei curiosa em ler Rubaiyat, de Omar Khayyam. Você tem? Visitarei mais vezes a Seara do Gallo. Abraço.
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