O cineasta Andrzej Wajda, nascido polonês em 1926, já poderia ter encerrado a carreira há muito tempo, talvez em 1958, quando lançou Cinzas e diamantes, o terceiro filme de sua Trilogia da Guerra, que teve início em 1954, com Geração, e prosseguiu em 1957, com o insólito e irônico Kanal. Esses três filmes já bastariam para colocá-lo entre os maiores realizadores de cinema do século XX. Mas Wajda não parou e não parou mesmo: seu Katyn (2007) é a prova de que ele continua propenso a fazer da Segunda Guerra Mundial o centro da crueldade e da imoralidade humanas. A trama do filme é simples: em 1939, enquanto os alemães invadem a Polônia por um lado, a URSS invade por outro. Na cena inicial, numa ponte, os poloneses fogem dos alemães para o abraço nada cálido dos soviéticos, que os esperam com cinismo, balas e baionetas. Assim, até 1945, os poloneses-não-judeus (pois os judeus foram enviados aos campos de concentração) vão conviver com o horror praticado por duas nações, cujos governos se dizem fadados a viver um milênio (o Nazismo) ou para sempre (o Comunismo). A estrutura do filme quase nos obriga a esquecer a Guerra: não há invasões, escaramuças, bombardeios, retaliações, nada. Apenas o cotidiano terrível e cruel, em meio a soviéticos-comunistas e alemães-nazistas, que são, sem qualquer exagero, espelho e imagem uns dos outros, a ponto de se atribuir a estes um massacre cometido por aqueles, fazendo das duas nações uma só, de cujo brasão escorre sangue alheio, polonês. A sequência final de Katyn, uma das páginas mais hediondas da história humana, é sem dúvida uma das mais tristes e infames que o cinema já perpetrou. E que Wajda filmou com a frieza e o silêncio de uma lâmina. Um filme que justifica a afirmação de Camus, de que o século XX foi um século úmido. Todavia, ainda há, como sempre houve, pessoas suficientemente ingênuas para perguntar se choveu muito...
Para o escritor Carlos Barbosa, no dia do seu aniversário.
Um comentário:
Um filme realizado na medida e na urgência da retratação de um século permeado de borras. A vergonha tem um rosto. No mais, felicitações, Carlos amigo.
Postar um comentário