Ontem, no recital de Georgio Rios, Paulo André e Thiago Lins, na Praça de Poesia da Bienal do Livro da Bahia, falei com o Lima Trindade que o trio de Feira de Santana faz uma poesia que em outros países, como EUA, França e Argentina, seria aceita como uma arte literária de primeira qualidade, baseada na memória, nos sentimentos pessoais, nas impressões oculares e fortemente influenciada pela linguagem e pelos temas de outros campos do conhecimento humano, como a Filosofia e a Psicanálise. Mas estamos no Nordeste e na Bahia. Aqui, infelizmente, o "típico" e o "local" são qualidades que jamais se exaurem e prosseguem a combater e alijar diferenças estéticas e escolhas individuais. Sem mencionar o fato de que a métrica e a rima consoante (amor\dor) ainda são, para muitos poetas daqui, critérios de valor e o único recurso poético evidente, em detrimento do ritmo, das aliterações, das assonâncias, dos incidentes sonoros, dos vazios e não-ditos, da polissemia. À guisa de exemplo, leiamos o poema abaixo, do poeta norte-americano Douglas Messerli, traduzido por Cláudia Roquette-Pinto.
NÃO ESTAVA AQUI QUANDO O SOL NASCEU
O sonho
num acesso
de pretextos
matutinos
vigia
com pequenos espinhos
o novo dia
findo, mas surgindo
à porta
do profundíssimo
ocaso, nos afina
com o atraso.
(DOUGLAS MESSERLI. In: Primeiras palavras. São Paulo: Ateliê, 1996.)
Poesia humana e sem Deus, embora, como dizia Barthes, sempre uma guloseima sagrada. Um dizer que se diz para não dizer outra coisa. E que é único, sem repetições, nem permanência. Aprecie aquele leitor ou leitora que, sensível, se permita viver outros "eus", outros delírios, outras sonoridades, pois o Universo é ritmo (e a vida humana, uma constante descoberta de si mesma). Sem ritmo, não há poesia, não há vida, sonhos, nada. E o que nos restará, ao fim, é o que as palavras encenam.
5 comentários:
Ironia: divino desabafo!
Oi, Mayrant,
Adoro os meninos (Thiago, Georgio e Paulo), queria muito ter assistido a apresentação deles, mas não pude ficar mais tempo. E adorei o post, sempre aprendo muito com você.
Abraço.
Meu muito obrigado. Versos, sons e ritmos sempre. Belíssimo poema. Aquele abraço.
Oi, Mayarant. Sou um dos que estavam para prestigiar esse trio, especialmente o conterrâneo Georgio.
Gostei muito do que vi e ouvi. Uma atmosfera descontraída e agradável alicerçando uma apresentação de qualidade.
O trabalho dos três é muito bom mesmo. Uma pena que aqui se valorize muito rimas e sentimentos e não essa ótima poesia fotográfica que fazem esses rapazes.
Além do mais, foi um prazer conhecê-lo...
[...] pois o Universo é ritmo (e a vida humana, uma constante descoberta de si mesma). Sem ritmo, não há poesia, não há vida, sonhos, nada.não seria a vida uma busca pelo ritmo que melhor nos ajuste/contraste individualmente ao universo? oq será o universo - deus/logos/dharma - se não a fonte da vida, a origem e o fim doq existe mesmo em potencialidade?
chegando aqui via 'entretantos'. é um prazer desobedecê-lo, mayrant. já o adicionei ao meu google reader.
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