Edição Brasileira: Editora 34. |
Vivemos um melancólico tempo de padronização em tudo. Dos comportamentos, do vestuário, da escrita, da cultura (a Secult-BA quer que os autores de uma publicação para a feira de Frankfurt sejam apresentados por foto idêntica, da cintura para cima e fundo branco), das respostas, das perguntas e, obviamente, da leitura. Eis o motivo por que abundam livros com o mesmo entrecho e igual estilo, e que as grandes livrarias vendem como novidade. Ah, novidade de capa! Talvez de um "novo" autor, não muito diferente daquele último que entrou na lista dos mais vendidos, mês passado. Seguramente de editora, pois as editoras se esforçam por superar umas às outras sem qualquer intenção de diversidade, de bibliodiversidade. Ou seja, mais do mesmo. Sempre.
Um cenário deste e uma orientação assim, para o "igual", são decisivos para uma desastrosa recepção da Literatura. Reiteremos, Literatura, e não literatura, comumente de consumo ou de massa. A Literatura trabalha com visões de mundo singulares, pontos de vista diversos, investe na forma e acentua o estilo, tanto na linguagem quanto no dinamismo com que articula as partes de uma trama ou de um poema, por menos específicos ou mais pessoais que sejam. Impõe um sentido ambíguo à condição humana e representa o mundo, este em que vivemos e outros, enfatizando as suas possibilidades, o que resulta no aumento do senso crítico do leitor, em lugar de embotá-lo na mesmice da repetição. Cada autor será, por sua vez, um mundo novo e um estilo único, aos quais os leitores vão se habituar e onde vão permanecer, enriquecendo-se, até que uma nova leitura, de um outro Autor, os chame e os conquiste, para revigorantes experimentações.
No seu romance Como fazer amor com um negro sem se cansar (Comment faire l'amour avec un negre sans se fatiguer, 1985), o haitiano Dany Laferrière sugere cenários ou adaptações ou climas para se ler cada grande autor:
"É preciso ler Hemingway de pé, Bashô andando, Proust na banheira, Cervantes no hospital, Simenon no trem (Canadian Pacific), Dante no paraíso, Dosto no inferno, Miller num bar esfumaçado com cachorros quentes, fritas e Coca-Cola... Eu lia Mishima com uma garrafa de vinho barato ao pé da cama, completamente esgotado, e uma garota ao lado, no chuveiro".
Uma bela metáfora do que é a Leitura de Literatura: uma troca constante de estação, uma temporada a cada novo autor, atual ou clássico, e aos quais devemos nos adaptar, como o fazemos a cada estação do ano.