
Não demorei a achar seu primeiro livro, Memorial dos medíocres, e foi então que comecei com ele uma proveitosa relação leitor-autor, a ponto de, em todas as aulas e oficinas de literatura que ministrei desde então, não deixar nunca de usar seus textos ― e que em geral acabavam por constituir uma atração à parte, tão fascinados ficavam os alunos. Acho que isso se deve ao fato de seus contos parecerem despretensiosos e fáceis de ler, embora a constante moldura de ambiguidade e ironia. Ora, esse é um dos grandes méritos de bem poucos prosadores: parecerem tão naturais quanto o ar que respiramos. A empregada do húngaro Ferenc Molnár chegou a dizer um dia que, se quisesse, ela também poderia escrever como ele!
Tanto em Memorial dos medíocres quanto neste Sob um céu de gris profundo, Tom Correia é quem ele é: simples, direto, irônico, bem-humorado e, sobretudo, melancólico. É um dos autores mais melancólicos que já tive oportunidade de ler. Talvez só Tchekov, na Rússia, e Kosztolányi, na Hungria, tenham chegado a esse nível de tristeza. Um outro paralelo que encontro é o do norte-americano, considerado o pai do minimalismo na literatura, Raymond Carver.
Dizer o que se tem a dizer num tom específico não é para qualquer autor. E Tom Correia encontrou o seu ― aparentemente sem esforço. Contudo, pensar assim é um equívoco: Tom labuta sobre seu texto como um relojoeiro, até atingir este atributo e fazer com ele a sua arte.
Eu poderia me estender aqui, a comentar os contos do Tom e a exemplificar o método que ele estabeleceu e que, ao menos por ora, o define, mas é preferível que o próprio leitor o faça. Direi apenas que um dos contos que mais admiro no volume é Um raibã, espécie de teatro da condição do escritor em nossa época. Em muitos casos, quem publica e faz sucesso é quem não diz nada de relevante, mas o faz com pompa, belas capas e toda uma assessoria de imprensa que o coloca em evidência na mídia e obriga o público a consumi-lo. Situação compreensível, afinal de contas, como afirma o protagonista do referido conto, oferecer ideias é um perigo ― e ainda mais, talvez, absorvê-las.
Malditos sejam os escritores ocos que escrevem para uma plateia dotada de cabeça de papelão! Não é o caso de Tom Correia. Com ou sem L.
Foto: Tom Correia é o último à direita, com seu "raibã". Ainda na foto: os escritores Carlos Barbosa e Elieser Cesar, e as poetisas Ângela Vilma e A. Café-Gallo. O local: o velho bar e restaurante O Líder.