Se o livro é ótimo, mas a capa é feia, não há nenhum problema. Contudo, se o livro é ótimo e a capa é bonita, uma obra de arte, então temos dois motivos para celebrá-lo. Provavelmente, as pessoas conhecem Tubarão, de Peter Benchley, mais pelo filme, que, no entanto, apenas reproduz do livro a sua trama de horror; tudo o mais é descartado, especialmente a crise existencial e conjugal por que passa o chefe de polícia, e a descrição precisa do contexto socioeconômico e cultural que o anima, o lugar e a gente que se transforma em comida de tubarão. Além disso, Tubarão é um ótimo romance policial, do gênero serial killer. E com dois aspectos de exceção, que fazem dele um exemplar único: o assassino não é um homem, mas um animal, e a ação desloca-se da investigação do crime para a caçada deliberada ao assassino. Neste sentido, é uma citação direta ao extraordinário Mobydick, de Melville, sem a pretensão de se converter num ícone da literatura universal. A capa desta edição da Record consegue a proeza de ser ao mesmo tempo literal e impactante. Põe metonimicamente toda a praia na boca e no estômago da fera, que ganha prestígio de monstro lendário, diabólico.
Não lia Philip Roth há muitos anos. Não obstante, três romances do autor jamais me saíram da cabeça: O complexo de Portnoy, O seio e O professor do desejo. O seio, particularmente, me impressionara muito. Narra a história de um homem que pouco a pouco se transforma num seio e acaba internado num hospital, um enigma para os médicos e uma atração para os jornalistas do mundo inteiro. A conclusão dessa improvável história é comovente: dor, abandono, solidão. Não há edições modernas desse livro. A única existente data dos anos 1970, pela Artenova, se não me engano.
Não é incomum que por muito tempo, apesar de termos apreciado um autor, fiquemos sem ler seus novos livros. Foi o que aconteceu comigo em relação a Roth, até que recentemente abri numa livraria A humilhação e só parei nesta madrugada. O argumento é ótimo: um famoso ator de teatro deixa de atuar porque descobre que ele próprio é um teatro, um embuste. Vai parar num sanatório, faz novas amizades, não ouve os conselhos de seu agente e, por fim, começa uma relação amorosa com uma ex-lésbica. O resto é a vida, mas em tom de quase sonho. Tudo acontece como se o protagonista não pudesse interferir, ao sabor de um misterioso fluxo, metáfora da existência. Até que ele toma uma decisão, que é a errada, a pior que poderia tomar. Coerente com seu assunto, a vida de um ex-ator, o romance se estrutura em três atos, como uma peça, e se conclui com uma ironia: o ator volta a atuar, mas é a sua última atuação.
Diferentemente de muitos autores experientes, que com o passar do tempo incorrem em repetições, Roth continua cheio de imaginação e disposto a refletir ou simplesmente aceitar os novos tempos: "Ela só queria se livrar dele para satisfazer o desejo humano, tão comum, de tocar para a frente e tentar uma coisa nova". A humilhação, apesar de sua brevidade, pouco mais de cem páginas (e isso talvez até o faça mais luminoso), é romance de um autor avesso ao comum.
Imagem: cartaz do filme Elegy (no Brasil, "Fatal"), baseado em romance de Philip Roth.
"Numa cidade cujo nome jamais é dito, mas tudo indica tratar-se de Salvador. Três tiros ecoam entre os atabaques do candomblé, dezenas de mãos apertam o gatilho. É um verão esquisito; calor febril intercalado por tempestades furiosas como lágrimas de Iansã, na cidade mestiça magnetizada por superstições, paixões, fatalidades [...]
Uma morte misteriosa fere a cálida estação: a vítima, Sofia do Rosário, retorna para a cidade natal depois de 20 anos no rio de Janeiro. Ela é uma mulher divorciada e emancipada; uma mulher madura e sensual, que inspira temor e fascínio nos homens."
SONIA COUTINHO é contista, ensaísta, romancista, tradutora e jornalista. Trabalhou no Correio da Manhã, Última Hora e O Globo. Neste último, permaneceu quinze anos e exerceu diversas funções, entre as quais a de editora da seção de resenhas e crítica de livros. Publicou onze livros de ficção e ganhou dois prêmios Jabuti. Sugestões de leitura do blogueiro: Atire em Sofia, Ovelha Negra e Amiga Loura & Rainhas do crime.
Sidney Rocha e Cristhiano Aguiar organizaram um volume de contos com autores brasileiros para ajudar as vítimas das recentes enchentes em Pernambuco e Alagoas. A editora Iluminuras publicou, e a Livraria LDM vai lançar o livro em Salvador, com a presença dos autores baianos que integram o projeto: Lupeu Lacerda, Lima Trindade e Gustavo Rios. O montante arrecadado será destinado às vítimas das enchentes. O exemplar custa R$26,00. Compareça e faça a sua parte.
LANÇAMENTO 9 de julho, sexta-feira de 18 a 21 horas
LIVRARIA LDM Rua Direita da Piedade, 20, Piedade Salvador, BA