
O homem com quem meu pai falava, havia alguns meses, era um estrangeiro. Um engenheiro estrangeiro. Seu nome, se não estou enganado – e é provável que esteja – era Clyde ou Charles – qualquer coisa assim.
Meu pai trabalhara para ele durante toda a primavera e boa parte do verão. Agora ele devia a meu pai uma boa soma em dinheiro e não queria pagar. Vinha se esquivando de várias formas. Numa hora dizia estar ocupado, impossibilitado de atender meu pai; noutra, que tinha esquecido o talão de cheques, ou então que seus recursos no banco estavam bloqueados, ou que algum caso de doença na família o obrigava a se ausentar do Rio...
O outono já ia pelo meio, e meu pai liso atrás do sujeito. E comigo a tiracolo: me arrastando com ele em quase todas as vezes que o procurava, pois eu não possuía mãe, não estudava, não tinha ninguém que cuidasse de mim à ausência de meu pai...
Curvado contra a janela do carro do sujeito, meu pai se ergueu e o deixou livre para partir.
Havia uma loura ao seu lado, dessas que todo homem sonha em ter na cama ao menos por uma noite ou mesmo uma hora, mas sem que pague por isso: por vontade dela, desejo mesmo, consentimento. Alguma Gretchen Mol atual, vocês sabem, aquela atriz que parece deslocada no tempo, de rosto redondo e maçãs pronunciadas, uma mulher dos anos da Depressão americana – ou de uma Europa ocupada – perdida em nossa época.
Antes de dar a partida, o cara informou que voltaria à noite. Que meu pai retornasse então, e acertariam a dívida, sem falta. Sem falta... Como podíamos acreditar? Como acreditar num homem para quem palavras não passavam de meios de desculpas? Mas meu pai acreditou, ainda assim. Acreditaria sempre, confiava nos homens, em todos os homens, até nos mais baixos, sem caráter, sem escrúpulos, aqueles que gritavam quando por direito só lhes cabia o silêncio.
Trecho inicial da novela de minha autoria que venceu, esta semana, o prêmio Literatura Para Todos, do MEC.
Imagem: Vaivém, de A. Café-Gallo.