
CRUZAMENTO
O meu velho era um branco
E minha velha era preta.
Se eu maldisse o velho branco
Em praga igual eu me meta,
Se quis que a velha estivesse
No inferno ou mais além,
Me arrependo e quero agora
Que esteja passando bem.
O meu velho era um branco
E minha velha era preta.
Se eu maldisse o velho branco
Em praga igual eu me meta,
Se quis que a velha estivesse
No inferno ou mais além,
Me arrependo e quero agora
Que esteja passando bem.
Meu pai morreu num belo casarão
Minha mãe morreu num gueto.
Onde será que vou morrer,
Não sendo branco nem preto.
(Trad. de Jorge Wanderley)
O NEGRO
Eu sou um negro:
Escuro como a noite é escura,
Escuro como o ventre de minha África.
Eu fui um escravo:
César mandou-me limpar a soleira de suas portas.
Lustrei as botas de Washington.
Eu fui um operário:
Sob minhas mãos as Pirâmides cresceram.
Eu fiz a argamassa para o edifício Woolworth.
Eu fui um cantor:
Por todos os caminhos da África até a Geórgia
trouxe minhas canções tristes
e criei o ragtime.
Eu fui uma vítima:
Os belgas cortaram minhas mãos no Congo.
Lincham-me agora no Texas.
Eu sou um negro:
Escuro como a noite é escura.
Escuro como o ventre de minha África.
(Trad. de Domingos Carvalho da Silva)
EU TAMBÉM CANTO A AMÉRICA
Eu também canto a América.
Eu sou o irmão de cor.
Quando chegam convidados
Eles me mandam comer na cozinha,
Mas eu gozo,
Me alimento,
E fico forte.
Amanhã,
Me sentarei à mesa
Quando houver visita.
Ninguém terá coragem
De me dizer
“Vá comer na cozinha”
Então.
Além disso,
Verão como eu sou bonito
E ficarão envergonhados ―
Eu também sou América.
(Trad. de Orígenes Lessa e Oswaldino Marques, atualizada por Mayrant Gallo)
LANGSTON HUGHES (1902-1967). Talvez o mais célebre poeta negro dos EUA. Em favor do seu povo e contra o preconceito, ele disse um dia, com sua voz pungente e branda: “Eu também sou América”. E foi com esta voz “aparentemente baixa” e irônica, meio cool, que ele rompeu barreiras e galgou degraus. Também foi contista e dramaturgo.